Arte-Final Entrevista: Pablo Casado

Nossa primeira entrevista não poderia ser mais emblemática.

O roteirista alagoano Pablo Casado já escreveu de tudo um pouco. Publicou inúmeros fanzines; escreveu fanfics, criou e editou o extinto site Universo Paralelo, um dos maiores do gênero no início dos anos 2000; escreveu (e produziu) dois curtas metragens, Do Amor e Outros Crimes e Fênix; e, claro, fez quadrinhos. Os dois mais conhecidos, sem dúvida, são Sabor Brasilis (publicado pela Zarabatana Books) e a série Mayara & Annabelle (atualmente no terceiro volume e um quarto já a caminho), lançado pela Fictícia, um supergrupo que produz, edita e publica seus próprios gibis. Lá você pode conhecer (e comprar) outros gibis escritos pelo Pablo e seus comparsas.

Joel Morais: Você lê gibis desde criança. Fale sobre o momento em que sentiu o desejo de escrever quadrinhos.

Pablo Casado: Eu li quadrinhos desde cedo, mas só aos 12 anos comecei a colecionar mensalmente. Minha vontade em produzir veio logo quando comprei meu primeiro Homem-Aranha – isso em formatinho, nos tempos da Abril, meados de 1990. Só que eu queria desenhar. Apenas aos 18 anos percebi que não tinha evoluído o suficiente, e que boa parte do tempo que deveria estar praticando, eu estava pensando nas histórias dos personagens que inventava. Foi então que comecei a escrever contos, fan fiction, até finalmente chegar nos roteiros de quadrinhos aos 22, 23.

Joel: Interessante você começar desenhando, principalmente devido ao fato dos brasileiros que trabalham para o mercado norte-americano serem desenhistas. Não há espaço pra escritor brasileiro lá fora?

Pablo: São muitos fatores que dificultam a entrada do roteirista brasileiro lá fora, principalmente o idioma – ainda que no mercado franco-belga, com uma boa tradução, isso pareça ter menos peso; e, apesar de ainda querer publicar no exterior, esse desejo diminuiu nos últimos anos. O trabalho é grande e o retorno é limitado, então, prefiro focar em publicar aqui do que mandando propostas pra gringa.

Joel: Mas a visibilidade seria extraordinária, sobretudo para um público mais amplo. Nesse sentido, como é fazer e vender quadrinhos hoje no Brasil?

Pablo: Eu me incluo entre aqueles que não vivem de quadrinhos, mas tiram um troco. Considerando que estou nessa há mais de 15 anos, fazer por amor ao meio não é algo sustentável – e não estou falando apenas financeiramente. O desgaste psicológico em não ver retorno do trabalho mexe com qualquer um. Se você quiser produzir e comercializar seu quadrinho, é preciso ter um conteúdo que justifique um preço de capa que te dê retorno e não afaste o leitor, tem que ir nas convenções, enviar cópias para resenha e torcer para que elas aconteçam e sejam positivas, que o boca a boca de quem leu atraia novos leitores, tem que ter presença na internet. Tudo isso em paralelo com a sua vida civil, naquele trabalho que paga suas contas. É puxado.

Joel: Você vem de duas campanhas vitoriosas no Catarse, uma delas de grande sucesso. Crowdfunding já é um caminho sem volta? Há vida fora do financiamento coletivo?

Pablo: Financiamento coletivo é um dos caminhos – e que veio pra ficar. Dados do próprio Catarse mostram que a bolha não estourou e que os apoios continuam crescendo a cada ano. No meu caso, que sou só roteirista, é a alternativa preferencial. Afinal, após financiado, tudo o que for vendido pode ser dividido entre o artista e eu. O problema é que isso limita o nosso alcance de distribuição e também aumenta nossa carga de trabalho, pois somos os editores. Enfim. Há quem publique por editora ou na internet, duas vias que gostaria de seguir nos próximos anos.

Joel: Você puxou um ponto interessante. A maioria esmagadora dos quadrinhos feitos no Brasil é, convencionalmente, chamado de trabalho de “autor(a)”, ou seja, escrito e desenhado por uma mesma pessoa. Como é ser somente escritor nesse meio? É difícil encontrar alguém que queira “apenas” desenhar uma história “alheia”?

Pablo: No começo, era complicado. Acredito que pra todos seja. Depois que os trabalhos de fôlego foram publicados e o reconhecimento veio, ficou mais acessível estabelecer parcerias. Claro que a minha curva de evolução toma mais tempo do que a de um autor, mas, paciência. Meu maior problema é tempo e a viabilização de novos quadrinhos. Digamos que eu encontre um novo desenhista disposto a produzir um álbum de 70 páginas sem nenhum adiantamento. Como vamos imprimir, onde vamos vender? Vai ter a mesma recepção do que os trabalhos anteriores? Eu vou ter como estocar mais mil exemplares na minha casa que podem ficar lá por vários anos?

Joel: Isso reflete diretamente no mercado interno. De 2010 para cá, a produção nacional deu uma grande chacoalhada com as Graphic MSP (desde o MSP 50). Mais recentemente, a Panini vem publicando material nacional (Rafael Albuquerque, Roger Cruz, Felipe Nunes). Editoras menores estão apostando em quadrinhos nacionais, com lançamentos variados. Para você, o que motivou essa mudança?

Pablo: Os eventos e as campanhas de financiamento coletivo provam que não, que o leitor gosta da produção brasileira. Mas sinto que a divulgação e a crítica meio que se afastaram. É como se a bolha tivesse estourado e a presença dos quadrinhos brasileiros virou apenas uma reprodução de releases. Não ajudou também o fato de autores se queixarem quanto à críticas negativas. Enfim. A divulgação puxa o outro problema, que é a distribuição.

Joel: O aumento dos eventos voltados aos quadrinhos fomentam o mercado editorial nacional ou seria o contrário?

Pablo: Eu acredito que sim, mas, provavelmente, não tanto quanto a produção de forma geral. Por exemplo: vou ao FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos, que ocorre bienalmente em Belo Horizonte) desde 2003 (só não fui à edição de 2007), e o aumento no número de autores com HQs novas a cada ano foi perceptível. Rola um estímulo ao ver outras pessoas produzindo. E com os custos de produção mais acessíveis e o financiamento coletivo para ajudar, ficou mais fácil.

Joel: Vamos falar agora um pouco de sua obra. Você começou com fanfics e fanzines antes de chegar aos quadrinhos independentes. Sabor Brasilis foi seu primeiro trabalho publicado por uma editora nacional. Como foi esse processo?

Pablo: A ideia pra Sabor veio depois do FIQ de 2009. O número de quadrinistas e suas produções havia aumentado naquele ano e, pelo que tudo indicava, a coisa só cresceria dali pra frente. Uma coisa que me chamou atenção foram as obras que tentavam focar em temas considerados brasileiros. Então, fiz uma lista mental daquilo que eu considerava a nossa cara de alguma forma, e novela foi um dos temas. Então fui trabalhando numa ideia que não caísse na caricatura do que se pensa sobre novela, e cheguei nesse parágrafo que falava sobre um grupo de roteiristas que tinha que se virar para resolver uma reviravolta enfiada pelo autor da novela no meio da produção. Só no final de 2010 voltei à ideia, que foi quando ela ganhou corpo graças a Hector Lima, Felipe Cunha e George Schall. Havíamos trabalhado numa antologia chamada INKSHOT e, como a parceria foi bacana, decidimos fazer algo juntos. A proposta era apresentar a HQ para editoras, mas em 2011 acabamos submetendo-a ao ProAC e fomos selecionados. No meio da produção, entramos em contato com o Claudio Martini, da Zarabatana Books, que topou publicar o álbum. Como o projeto estava bem adiantado, a parte editorial transcorreu tranquilamente. E o trabalho com o Hector, Felipe e George só reforçou a amizade que tínhamos antes de começar a HQ.

Joel: Mayara & Annabelle conquistou uma boa base de fãs e acumula críticas positivas a cada novo volume lançado. Como você lida com essa “pressão” de manter o nível das histórias e de produzir algo de forma seriada (mesmo sendo anual)?

Pablo: Durante a produção do roteiro eu não me sinto tão pressionado pelas expectativas do público. Quando termino e passo pro Talles (Rodrigues) e pra Brendda (Lima), a coisa muda de figura. Ver as páginas prontas me deixa ansioso pra lançar o gibi e ver se as pessoas vão continuar curtindo. O fato dos volumes saírem anualmente ajuda em não me deixar desorientado pela pressão.

Joel: A campanha no Catarse do quarto volume (clique AQUI e conheça o projeto) já está a todo vapor. Como é sua rotina de escrita, tendo que conciliar com trabalho?

Pablo: Algo que percebi é que, a cada volume, fica mais difícil trabalhar na história, porque existem obrigações com o que já foi contado. Então é preciso encontrar o equilíbrio entre os elementos que precisam voltar e as coisas novas a serem inseridas. E essa produção acontece nos intervalos do meu trabalho que paga as contas e nas horas vagas.

Joel: Com a proximidade do fim da série das funcionárias públicas, quais seus planos futuros?

Pablo: O Volume 5 fecha o primeiro arco. A ideia é continuar, mas não sabemos ainda se a demanda existirá. É uma resposta só pra 2018, 2019. Como Mayara & Annnabelle toma boa parte do meu ano, produzir qualquer outra coisa tem sido difícil; mas estou me organizando pra escrever outras coisas assim que terminar o Volume 4. Tem uma ideia que me acompanha há mais de 3 anos. Provavelmente vou focar nela. É algo bem diferente de M&A.

 

 

Joel: Você procura equilibrar escapismo e engajamento em seus roteiros?

Pablo: Eu quero contar boas histórias. Temas que acredito serem importantes e que mereçam discussão, quando aparecem, vem na possibilidade que as histórias abrem. Não é algo que eu tento medir ou ter um controle. A história é mais importante que o discurso.

Joel: O quanto a realidade e eventos do momento influenciam seus trabalhos?

Pablo: Depende da história. Usamos coronelismo em Mayara & Annabelle porque o cenário permitia e era interesse demais pra trama. A ideia pra Sabor Brasilis veio antes de Avenida Brasil trazer à novela de volta a boca do povo, por exemplo. É claro que o momento sempre influencia, mas não sinto que sou um caçador de zeitgeist, sabe? Vou mais por uma ideia que vem.

Joel: Como você lida com o feedback dos leitores?

Pablo: Bem, acredito. Até porque no meu caso até agora tive sorte: Sabor Brasilis e Mayara & Annabelle foram muito bem recebidos, com críticas pontuais. Então, eu apenas fico feliz que as pessoas curtam o material.

Joel: O roteirista Pablo Casado está em mode on permanentemente? No seu dia a dia, você olha o mundo colhendo material para suas ideias e caracterizações?

Pablo: Sim, mesmo quando estou em modo offline, digamos. Porque é vivendo que a gente colhe ideias, referências e tudo mais.

Joel: O que você anda lendo e o que você recomenda pros leitores?

Pablo: Acompanho religiosamente Injection, de Warren Ellis, Declan Shalvey e Jordie Bellaire; The Wicked + The Divine, de Kieron Gillen e Jamie McKelvie; SAGA, de Brian K. Vaughan e Fiona Staples; East of West, de Jonathan Hickman e Nick Dragotta e The WildStorm, de Warren Ellis e Jon-Davis Hunt.

 

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