Arte-Final na Bienal – Bate-Papo com Alexandre Callari

Aconteceu em Maceió, de 28 de setembro a 8 de outubro de 2017,  a 8ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Esse é o maior evento literário do estado e a única do país planejada, promovida e realizada por uma universidade pública.

Durante a semana em que ocorre o evento, o Centro de Convenções de Alagoas fica abarrotado de pessoas interessadas nos mais variados gêneros de literatura; e, apesar de não ser o foco da bienal, os quadrinhos também fazem parte da programação.

O evento de maior destaque nessa área foi o bate-papo com o autor, tradutor e editor Alexandre Callari, do canal e agora editora Pipoca & Nanquim. Além de histórias sobre a editora e o canal, Callari falou um pouco sobre seu trabalho como editor da DC na Panini Comics e também sobre sua visita a Alan Moore!

Sobre a editora, uma das coisas que ele revelou durante o bate-papo era que o planejamento inicial era de 4 lançamentos em 2017 (Espadas & Bruxas, Cannon, Moby Dick e Beasts of Burden), mas que os livros foram tão bem em vendas que a Amazon solicitou que fosse ampliado para 6 lançamentos. Um dos novos títulos é A Small Killing (que será traduzido como Um Pequeno Assassinato) de Alan MooreOscar Zarate. A negociação com o Moore foi um caso à parte. Oscar Zarate já havia aceitado os termos, mas Alan Moore estava num retiro nas montanhas para escrever um livro e, portanto, incomunicável. Ele não havia dado a resposta e ninguém sabia quando ele voltaria desse retiro. Mais de um mês depois, ele recebeu a notícia de que o Moore havia voltado do retiro e queria saber mais sobre a editora, portfolio, etc. O Alexandre respondeu falando sobre todo o material que ele já havia editado e traduzido, além do material que o Bruno e o Daniel também trabalharam, mas o barbudo queria saber sobre o que a editora já havia lançado. Na época, o portfolio da editora se resumia a Espadas e Bruxas. Apesar de ter vários títulos fechados, o único material lançado era esse. Foi quando ele resolveu dar a cartada que poderia tanto ajudar como acabar com a negociação de vez. “Fala pra ele que em 2015 um brasileiro maluco bateu na porta da casa dele, deu um livro e uma canequinha de café com uma bandeirinha do Brasil pra ele e ficou meia-hora conversando, e que ele deu um livro assinado pra esse cara e tal. Fala pra ele que eu sou esse cara! E cruze os dedos!”. Depois de uma semana chegou um e-mail da agente em caixa alta, dizendo “DEU CERTO!”

O segundo será um projeto que Callari chegou a oferecer pra outras editoras sem sucesso. A editora publicará a obra completa do Conan, de Robert E. Howard. A coleção de livros será composta em 3 volumes, com as capas originais do Frank Frazetta e ilustrações de Mark Schultz e Gary Gianni, com todos os textos em ordem cronológica. Irá incluir também todos os poemas e contos lançados por Howard. “O Conan como deveria ser lançado no Brasil, em edições de luxo, capa dura”, afirma Callari. Esse lançamento deve ficar pra dezembro, enquanto Um Pequeno Assassinato deve vir no mês que vem.

Contou também como foi o processo de escolha e fechamento de contrato dos livros já lançados pela editora. Espadas & Bruxas foi tratado diretamente com Esteban Maroto, que apesar de ser um senhor de 81 anos, é bastante antenado, usa a internet, então, foi uma negociação tranquila. Cannon foi um pouco mais difícil, pois o autor já é falecido e o detentor dos direitos é uma pessoa casca-grossa. Moby Dick, apesar de ter sido um título caro, foi uma negociação tranquila com a Dargaud. Já Beasts of Burden teve uma negociação mais complicada com a Dark Horse, já que eles tem uma visão mais capitalista da coisa, no sentido que eles tentaram leiloar o título com outras editoras brasileiras depois da proposta inicial da Pipoca & Nanquim.

Perguntado se eles já pensaram em lançar algum mangá, Callari afirmou que pensa nisso diariamente. Por ser ele que negocia os títulos para a editora, disse que a negociação com os japoneses é muito difícil, por eles não precisarem do resto do mercado mundial para que o título alcance o sucesso. Devido ao histórico do mercado brasileiro com mangás, eles são mais restritos com a liberação do material. Um dos casos que ele conta é que estava negociando há um mês e meio com um japonês e já havia passado apresentação da editora e diversas outras informações sobre o mercado e, depois de tudo isso, o japonês pergunta se ele é um publisher. Mesmo com essas dificuldades, eles estão de olho e continuam negociando com os japoneses.

Revelou, também, que um título só é fechado com a editora quando existe um consenso entre ele, Bruno Zago e Daniel Lopes. Eles chegaram a esse acordo logo no começo do projeto da editora e a justificativa é que todos defenderiam o título com paixão igual na hora de vendê-lo para o público. Outro acordo que fizeram é nunca lançar nada que foi “empurrado” por uma editora. Eles preferem pagar mais caro por um determinado título que eles querem do que pagar um pouco mais barato e ter que levar um outro título que a editora queira empurrar pra eles. Eles também não tem interesse em publicar através de patrocínios públicos, pois na maioria das vezes eles teriam que se comprometer a lançar o material antes dele estar pronto, e não poderiam avaliar a qualidade do material. Está nos planos da editora lançar quadrinhos nacionais no ano que vem e eles já estão em contato com alguns autores. Disse ainda que estão com dois projetos envolvendo quadrinhos nacionais. Um seria um resgate de um quadrinhista das antigas e o outro um lançamento de um novo autor. Nenhum dos dois estão fechados ainda, mas estão em negociações com várias pessoas.

Ele disse que a editora tem interesse, também, em retomar material já consagrado no Brasil e que está voltando a ser publicado lá fora. Um exemplo disso é o material de Espadas e Bruxas, que é a recuperação de um material clássico e eles estão negociando para o ano que vem dois títulos que já foram publicados no Brasil e eles pretendem relançar. Perguntado sobre Esquadrão Atari, que fez enorme sucesso no Brasil nos anos 80, com a arte espetacular de José Luiz García-Lopez, ele disse que é louco para republicar esse material, mas que a IDW, a editora que detém atualmente os direitos do título, recebeu muitas propostas de editoras brasileiras, por isso o título se torna caro e a Pipoca & Nanquim, por ser uma editora pequena, não tem tanto poder de negociação nesses termos. Até por isso, a editora não pode errar na seleção do material que vai ser publicado. Segundo Callari, caso a editora erre em um título, vai à falência. Não tem meio-termo. Pois um título acaba financiando o outro. E por estarem no começo, ainda não lucraram com a empresa.

Perguntado sobre material da Image que ainda não tem casa no Brasil, Callari revelou que o problema é que a pessoa responsável por negociar esses direitos internacionais é extremamente difícil de lidar. Os valores exigidos por ela são exorbitantes, segundo Callari. Ele revelou ainda que entrou em contato com a Image quando soube da situação da HQM Editora para tentar pegar os direitos de The Walking Dead, mas que as negociações não foram pra frente por causa dessa responsável por negociar os direitos internacionais. Ele gostaria ainda de publicar material da Bonelli no Brasil. A Editora Pipoca & Nanquim por enquanto não tem interesse em publicar material teórico sobre quadrinhos, por ser muito específico, apesar de Callari ser muito fã desse tipo de material.

Durante a palestra ele disse ainda que o canal se preocupa em apresentar novos materiais para seus inscritos, e que os quadrinhos não se limitam às majors americanas, e que pelo menos uma vez por bimestre eles buscam apresentar material independente nacional. Mas eles buscam apoiar o material brasileiro de forma orgânica, e não apenas por ser material nacional. O material precisa ser bom. Disse ainda que as plataformas de crowdfunding e a autopublicação através da internet e de plataformas como a do Social Comics são boas excelentes maneiras de se publicar material independente, mas a responsabilidade dos autores aumenta muito, pois têm que se preocupar com muitas coisas com as quais não seria preciso, se fossem publicados por editoras.

Perguntado sobre o material que eles recebem para avaliar se merece ou não ser publicado, Callari foi questionado se a qualidade do material é o fator primordial na escolha, ou se o fato do material e o autor serem conhecidos também afetam essa escolha. Ele disse que é possível construir o nome de um autor, seja ele desconhecido do grande público ou que há muito tempo não era publicado no Brasil, como foi o caso de Esteban Maroto, que há 30 anos não era publicado no país. Ele disse ainda que cerca de 60% a 65% das vendas dos títulos da editora P&N podem ser atribuídos à divulgação no próprio canal. O restante pode ser atribuído à divulgação em outros canais e também o boca-a-boca. Espadas e Bruxas foi praticamente vendido sozinho pelo canal. Já Beasts of Burden foi meio-a-meio com outros canais de divulgação.

Eles tiveram que fazer um trabalho para que a Amazon compreendesse o mercado de quadrinhos no Brasil. O canal Pipoca & Nanquim é o maior vendedor independente de quadrinhos da Amazon Brasil. Revelou ainda que eles abriram a editora sem ter dinheiro. Guardaram durante meses a receita de comissão da Amazon para que pudessem comprar o primeiro título. Sobre os pontos de venda da Editora Pipoca & Nanquim, Callari disse que lançar Espadas e Bruxas exclusivamente pela Amazon foi muito justo com a empresa norte-americana, pois eles abraçaram a ideia de comprar toda a tiragem produzida e hoje bancam 90% da operação. Para a editora, isso foi excelente, pois, se não fosse o caso, eles precisariam de uma estrutura muito maior, com estoque, fluxo de caixa, etc. Isso implicaria numa logística muito mais complexa do que a que eles tinham no início.  Então, pelo menos por enquanto, o material da editora não será visto em outras grandes lojas como Saraiva, Submarino, Livraria Cultura, entre outras. A coisa já é diferente com as comic shops, pois, segundo Callari, essas lojas são formadoras de leitores. É nelas que os fãs se encontram pra conversar sobre o material, por isso são importantíssimas para a cena de quadrinhos no Brasil, além de não interferirem nas vendas da Amazon. Com isso, ele conseguiu destinar um pequeno percentual da tiragem para ser distribuído nessas comic shops, seja através da Devir ou de venda direta com a própria editora.

A qualidade editorial dos livros também foi destacada. Ele disse que essa é uma preocupação constante da editora. O primeiro livro já teve uma qualidade gráfica elevada, mas ainda não era do jeito que eles queriam. Cannon já melhorou bastante e Moby Dick já saiu exatamente do jeito que eles queriam, tanto é que receberam elogios da Dargaud falando que a edição nacional é melhor do que a original. Eles tentam se superar a cada material lançado. Nos três primeiros livros, por ser o início da editora, eles não tiveram como absorver e repassaram esse custo de uma qualidade editorial maior para os leitores. Com Beasts of Burden, eles baixaram a margem em cerca de 30% para tentar deixar o preço mais baixo pro leitor e agora eles buscam cada vez preços mais acessíveis. Apesar disso, eles não pensam em ir pro mercado de bancas, pois as tiragens são muito maiores e as perdas também.

Cannon foi o lançamento mais arriscado da editora, na opinião do Callari. Era também o que eles esperavam uma vendagem mais baixa, pelo tema mais específico, tem muita nudez, mas, mesmo assim, já vendeu quase toda a tiragem. Justamente pelo tema, eles temeram pelo patrulhamento que a HQ poderia sofrer pela forma que o autor retrata as mulheres no gibi. Moby Dick foi uma explosão de vendas. Ele acredita que, em mais um mês, a tiragem esgota, pois todos já ouviram falar dessa história. Espadas e Bruxas foi o livro mais vendido da editora, já teve a primeira tiragem esgotada e a segunda está a caminho. Ainda sobre Moby Dick, Callari disse que acha essa adaptação melhor do que outras já lançadas no Brasil, inclusive a do Will Eisner, apesar de nem sempre adaptações literárias em quadrinhos terem qualidade.

Falando sobre Panini, Callari não falou sobre novidades em publicações. No lado da DC, eles estão mais focados na linha Renascimento. Apesar disso, retomaram a série Lendas do Cavaleiro das Trevas, com um volume dedicado ao Don Newton e outro dedicado ao Coringa. Ainda sobre essa linha, foi questionado o porquê de terem escolhido o material de Superpowers para as edições dedicadas ao Rei Jack Kirby. Apesar de ele gostar muito do primeiro volume, diz que não tem muito poder de escolha no material a ser publicado, mas acredita que foi escolhido por conter personagens mais conhecidos. Ele preferiria ter lançado o Quarto Mundo, mas a Panini ficou com receio se esse material venderia ou não. Ele espera que a Panini dê continuidade à publicação, com materiais como Etrigan, OMAC, Kamandi, além do próprio Quarto Mundo.

 

Contou também sobre a vez em que, visitando a Inglaterra, resolveu dar uma passadinha na casa do Moore. Ele já tinha o endereço e a casa ficava a cerca de 50 minutos de trem de Londres. Foi fácil de localizar porque todos conheciam o “cara das cobras”. Apesar de toda a fama no mundo dos quadrinhos, lá ele é apenas o barbudo esquisito que mora na casa do lado. Segundo Callari, ele foi muito solícito e o recebeu muito bem. Afirmou ainda que a postura anti-DC que ele assumiu nos últimos anos é verdadeira, pois ele poderia muito bem assinar um gibi que escreveu pra DC naquele momento, onde estavam só os dois, mas ele se recusou e que, certo ou errado, ele o admira também por sua coerência.

Questionado sobre sua carreira como autor, ele revelou que seu próximo projeto será de quadrinhos, não de um livro, e será lançado no próximo ano, pela Darkside Books. Apesar de não poder revelar detalhes sobre o gibi, ele disse que o desenhista será alguém que já trabalhou pra Marvel e pra DC. Será uma aventura e “semi-autobiográfico”.

Depois da palestra, Callari foi até o stand de Márcio Omena, responsável por trazê-lo à Bienal, pra continuar o bate-papo, de maneira mais informal com os fãs, tirou fotos, autografou os livros da Editora Pipoca & Nanquim que estavam à venda e nos concedeu uma entrevista exclusiva, que você pode ouvir no Pilha de Gibis Especial!

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