Ministério do Espaço: a Conquista Espacial que Nunca Ocorreu

4.5

NOTA DO AUTOR

Não me lembro do título ou autor, mas tenho lembrança de, quando criança, talvez com treze anos, me encantar com um livro que havia na biblioteca municipal na cidade em que residia. Era um livro de astronáutica que trazia inúmeras representações artísticas de naves, estações e colônias espaciais. Essas imagens despertaram minha paixão pela astronáutica. Hoje, basta uma breve pesquisa pela internet para conseguirmos visualizar imagens semelhantes elaboradas nos anos cinquenta e sessenta, ou mesmo antes, que representam os sonhos dos primeiros engenheiros e projetistas aeroespaciais.

Observar essas imagens traz certa angústia por ainda estarmos engatinhando em termos de tecnologia aeroespacial. O máximo que conseguimos é enviar pequenos robôs a Marte e naves não tripuladas pelo Sistema Solar. Onde estão as gigantescas estações espaciais? As colônias na Lua? Ou em Marte? Os projetos de mineração de asteroides? Parecem bem mais longe de se tornarem reais hoje do que foram nos anos 50 e 60.

Essa nostalgia por um futuro espacial que nunca ocorreu é retomada na interessante graphic novel Ministério do Espaço, de Warren Ellis (escritor), Chris Weston (artista) e Laura Martin (colorista), originalmente publicada em 2009 e que chegou ao Brasil em fins de 2014 em uma caprichada edição da editora Devir, com tradução de Marquito Maia.

Warren Ellis é um dos melhores roteiristas de histórias em quadrinhos da atualidade, tendo escrito quadrinhos seminais nesta virada de século como The Authority, Planetary, Transmetropolitan e Frequência Global, entre outros, inclusive a história de ficção espacial Oceano, que logo resenharemos aqui. Em Ministério do Espaço, Ellis cria uma história alternativa em que foram os ingleses que capturaram os cientistas alemães, a tecnologia de foguetes e os documentos do programa de bombas V-1 e V-2 após a derrocada da Alemanha nazista, no fim da Segunda Guerra Mundial — fato que cria uma linha histórica alternativa em que se passa a história narrada.

Em nossa linha do tempo, sabemos que, após a derrota da Alemanha nazista, a tecnologia desenvolvida no Centro de Pesquisas do Exército Alemão de Peenemünde — ou seja, os foguetes V-1 e V-2 — e seus cientistas foram em grande parte transportados para os Estados Unidos na chamada “Operação Clipe de Papel”, e o que ficou para trás foi levado pelos soviéticos. Isso resultou nos avanços científicos, em termos de tecnologia espacial, desenvolvidos na corrida espacial entre as duas grandes potências globais — EUA e URSS.

Na história elaborada por Ellis, a Inglaterra fica com todo o espólio científico da Alemanha nazista, o que acaba por torná-la a única potência espacial mundial. Tudo graças aos estratagemas do comodoro John Daswood, que emprega todos os meios possíveis para tornar a Inglaterra uma potência espacial, alguns bastante escusos, e que serão revelados apenas no final da história. Daswood será o primeiro homem no espaço.

Na nova cronologia de Ministério do Espaço, o primeiro satélite espacial é colocado em órbita em 1948; o primeiro voo de um homem no espaço ocorre em 1950; a primeira estação espacial, em 1953; a viagem à Lua, em 1956; e a conquista de Marte, em 1962; assim, na atualidade, o Sistema Solar já está todo ocupado. Em nossa linha do tempo, o primeiro satélite foi colocado em órbita em 1957 (Sputnik 1 – URSS); o primeiro homem no espaço foi Iuri Gagarin, em 1961 (URSS); a primeira estação espacial tripulada foi a Mir, entre 1986-2001 (URSS e posteriormente Rússia); a primeira viagem à Lua foi a missão Apolo 11, em 1969 (EUA); atualmente, um consórcio internacional mantém em órbita a Estação Espacial Internacional – EEI (EUA, Rússia, Japão, Agência Espacial Europeia e Canadá). Já novas missões tripuladas para a Lua ou uma missão para Marte parecem distantes, para não falar de qualquer projeto de colonização interplanetária.

Ellis, no posfácio de “Ministério do Espaço”, comenta que teve a ideia de escrever a história ao recordar as histórias de ficção científica de Dan Dare (herói espacial britânico dos anos 1950) e redescobrir as publicações da Sociedade Interplanetária Britânica dos anos quarenta e cinquenta. Esses livros eram cheios de imagens sobre a conquista do espaço, com extrapolações tecnológicas interessantíssimas, e foi inspirado nesse material que Ellis escreveu a história. Mas estamos falando de uma história em quadrinhos, e, portanto também de desenhos, e nesse caso vale destacar a arte primorosa de Weston para essa edição a partir de referências dos anos cinquenta, são verdadeiramente lindíssimos seus conceitos para o design de naves, estações e colônias espaciais.

Em termos de geopolítica e tecnologia, entretanto, consideramos que Warren Ellis deixa algumas pontas soltas. Por exemplo, os fatos narrados na história excluem a existência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o que é pouco convincente. Mesmo que esta não tivesse ficado com o espólio nazista — e verdade seja dita, os soviéticos ficaram praticamente com sucatas se comparado ao que os Estados Unidos levaram —, isso não inviabilizaria um programa espacial soviético, como realmente não inviabilizou. Até por motivos ideológicos, os soviéticos com certeza desenvolveriam tecnologia espacial independente.

Os Estados Unidos estão muito atrasados em tecnologia espacial na HQ com relação à Inglaterra, e é pouco provável também que a única nação detentora de armas nucleares após a Segunda Guerra Mundial — e para a qual se refugiaram, mesmo antes da guerra, os maiores físicos do mundo, Einstein entre eles — teria ficado tão atrás na corrida espacial. Afinal, os Estados Unidos eram os detentores do maior parque industrial do mundo e da maior economia do planeta (hoje provavelmente o maior parque industrial do mundo é a China).

Em termos de tecnologia, não fica claro por que o avanço inglês é tão superior ao que ocorreu em nossa linha do tempo, já que os ingleses partiram da mesma matriz que os Estados Unidos e União Soviética em nosso mundo: ou seja, a ciência espacial desenvolvida por Wernher von Braun. Esse superdesenvolvimento tecnológico inglês fica por conta de certo ufanismo de Ellis, que é inglês. De qualquer forma, essas considerações em nada atrapalham a leitura dessa HQ.

Ministério do Espaço é uma joia rara para todos aqueles que sonham com viagens espaciais. Os desenhos de foguetes, estações espaciais e colônias humanas em Marte de Chris Weston são de uma beleza indescritível, capaz de emocionar qualquer entusiasta pela conquista espacial. Folhear as páginas de “Ministério do Espaço” é observar o passado que perdemos e o futuro que nos está escapando graças ao precário interesse dos países com tecnologia espacial em realmente implementar uma política de exploração e colonização do Sistema Solar em larga escala, notadamente Estados Unidos e Rússia, que já tiveram programas espaciais ambiciosos e hoje com muito esforço conseguem manter alguns projetos, geralmente utilizando robôs.

Como escreve Ellis no posfácio: “Todo um plano para explorar o Sistema Solar com uma certa quantidade de tecnologia aperfeiçoada tinha acabado de ir por água abaixo. E a NASA foi sendo reduzida, pouco a pouco, ao animal patético e meio-cego que ela é hoje em dia: confusa, medrosa e à mercê de empreiteiros que venceram licitações e instalaram os paraquedas no fundo das sondas espaciais de modo até mesmo a mais ínfima das belas visões, capturando material solar, acaba em pedaços no solo do deserto. A situação da Rússia é ainda mais triste: a não tão sofisticada Soyuz ainda funciona, mas as grandes fábricas de motores jazem inativas, e o seu desejado ônibus espacial apodrece como uma carapaça que serve de atração turística. O programa espacial chinês é promissor, mas está a vinte anos de distância até mesmo da possibilidade de levar seres humanos mais longe do que já fomos em 1969”. Parece ainda estar muito longe o dia em que nós, seres humanos, deixaremos a marca de nossas botas em solo marciano.

 

  

Roteiro: Warren Ellis

Arte: Chris Weston

Editor: Michael Heisler

Capa: Chris Weston e Laura Martin

Publicação original: Ministry of space #1 a 3 (abril e setembro de 2001 e abril de 2004)

No Brasil: dezembro de 2014

Nota dos editores:  3.2



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