Mark Millar e seus Supermen

Se quisesse forçar a amizade, poderia dizer que Mark Millar apareceu para o grande público na DC Comics. Sabemos que ele fez seu nome na concorrência, quando assinou um contrato de exclusividade por quase dez anos e escreveu praticamente todos os personagens da Marvel. Fez seu nome por lá e deu grandes sucessos de vendas (os dois maiores do início do século são dele: Guerra Civil e Os Supremos).

Mas quem nós queremos enganar? A paixão desse escocês falastrão é a Trindade da DC. Pro seu próprio azar, a editora das lendas nunca aproveitou o potencial de Millar (e nesse quesito, ele entra numa longa lista de grandes artistas que foram tratados como lixo na DC e fizeram seu nome na Marvel). No Super-Homem, talvez sua maior paixão, ele até teve uma chace. Uma mísera chance. Escreveu quatro edições de Action Comics, mais quatro de Adventures of Superman, uma ou outra one-shot perdida e os dois maiores deboches já vistos nesse ramo: um dos grandes sucessos de público e crítica do personagem (se não o maior) na primeira década do século XXI foi escrita por Millar, mas é um elseworld (Superman: Entre a Foice e o Martelo), e seu run mais longo no personagem é a quadrinização daquele desenho clássicos dos anos 1990, que veio na esteira de Batman: A Série Animada e publicado aqui pela Abril Jovem como As Aventuras do Superman.

Qualquer um de nós ficaria chateado, ficaria abatido e desanimado. Mas, por Deus, esse é Mark Millar!

Com seu nome feito, resolveu partir para voos mais altos. Começou a criar seus próprios personagens, a contar as histórias que queria, mesmo trabalhando para uma grande editora como a Marvel. Nascia o Millarworld, seu selo autoral. Ainda que publique quase majoritariamente na Image Comics, algo do Millarworld saiu no Icon, selo da Marvel para criações exclusivas de seus contratados, uma forma de extravasar a criatividade, para sermos bonzinhos.

Millarworld tem duas características que acho essenciais. A primeira delas é uma das coisas mais legais que o Millar faz: sua parceria com os desenhistas. Todos os desenhistas são creditados como co-criadores, sem exceção, e com essa enxurrada de adaptação cinematográfica (além daquelas vendidas e que nunca viram a luz do sol) e a venda de todo o catálogo para a Netflix, os caras ganham dinheiro com sua arte, suas criações. Não fica uma parcela significativa (ou tudo) para a editora.

A segunda é sua tara no Superman. Falamos um pouco disso num 7 Jagunços bem especial (ouça aqui). Superior talvez seja o mais óbvio, visto que rola até homenagem aos filmes clássicos do personagem. Superior é uma história que mostra, entre outras coisas, como seria o mundo se o Superman existisse de verdade (só que com muito toque de magia). Muito além disso, Superior exibe a faceta heróica do Superman, sua grandiosidade, não apenas de poderes, mas também de altruísmo.

Huck, por seu turno, pega apenas uma das características do Superman e Mark Millar cria um personagem que você se encanta logo nas primeiras páginas. É um herói sem uniforme, que faz o bem apenas porque é o certo a ser feito. Huck simplesmente ajuda pessoas que precisam de ajuda, seja lá qual for seu problema, apenas pelo prazer de fazer o bem, de ajudar alguém. E a inspiração veio não apenas de Man of Steel, como ficou bem conhecido na época: veio, igualmente, de todo universo de adaptações de histórias em quadrinhos nos cinemas.

Em O Legado de Júpiter essa ideia também está presente, por meio do Utópico, mais uma versão do Superman criada pelo Millar. Nessa (grande) história, ele é casado com uma versão da Mulher-Maravilha (a Lady Liberdade) e tem um casal de filhos. Como o título (e a capa) entrega, a história é sobre os filhos do casal. No entanto, o ponto de partida de Millar é justamente um herói antiquado, que “não resolve” os problemas do mundo como fez o Superior. Ele apenas salva vidas, digamos assim (péssima simplificação, que fique claro). Utópico ainda insiste em manter a identidade secreta, por exemplo, algo que parece cada vez mais datado, sobretudo após o sucesso dos filmes baseados em super-heróis.

Em tempos de pesadas críticas ao universo cinematográfico da DC Comics, em especial a versão do Superman criada pelo diretor Zack Snyder, Millar segue mostrando que as características básicas do Azulão ainda podem render ótimas histórias, nos encantar e fazermos crer que o mundo pode sim ser um lugar bem melhor. Como dizem lá em Pão de Açúcar, o certo é certo.

E nem vamos falar de Nemesis (Batman) e MPH (que é uma história sobre supervelocidade, então nem vou insinuar que é sua versão do Flash, pois esse personagem ele teve a chance de escrever, quando ainda era tutelado pelo Grant Morrison). Independente disso, o que vale e o que fica é a história contada. E nisso, Millar continua se garantindo.


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