O legado Mar-Vell (Parte 2)

Aproveitando descaradamente todo o hype criado pelas primeiras imagens oficiais do filme da Capitã Marvel, resolvemos falar um tiquinho sobre a coronel Danvers e todo legado desse nome nos quadrinhos. Mentira. Falamos tanto que rendeu uma semana inteira de assunto e esta é a segunda parte. Se não leu a primeira, vai lá e volta aqui. Se já leu, então sabe que agora é hora de falar de um personagem que não tem nada a ver com o legado, porém, tem muito a ver com o nome…

O primeiro Capitão Marvel, criado na Era de Ouro, tinha poderes místicos que transformavam um garoto em um adulto absurdamente poderoso. O menino sumia e em seu lugar aparecia um homem pra cuidar dos problemas. Se bem que o personagem foi um problema, ao se tornar muito popular e ameaçar os ganhos da DC Comics com seu super-herói original, o Superman. O resultado foi geladeira pro Capitão, após ser comprado pela DC. Legalmente, anos depois, a Marvel ganhou o direito de usar o nome, enquanto o primeirão passou a se chamar Shazam.

Onde estávamos mesmo? Ah, sim, o Capitão Mar-Vell fazendo cosplay do Marvel. Entenda:Quando jogaram o abacaxi kree nas mãos de Roy Thomas, o camarada foi na contramão do bom senso e mexeu no vespeiro só pra ver a confusão. Primeiro, foi buscar o personagem mais influente dos primórdios da Marvel, Rick Jones. Acha que é brincadeira? Vai olhar o currículo do infeliz. Ele é responsável pela existência do Hulk, dos Vingadores, pelo fim da Guerra Kree/Skrull, foi parceiro do Capitão América por um tempo e lá pelo final dessa nossa prosa vai voltar a se envolver com a (hehe) Família Mar-Vell.

Thomas descaradamente fez com que Jones se tornasse o que Billy Batson foi pro Capitão Marvel. Ele fez um malabarismo de roteiro e inventou dois artefatos krees, os braceletes fotônicos, que serviriam para Jones e Mar-Vell trocarem de lugar, entre a Terra e a Zona Negativa. Apenas um poderia existir em cada um desses locais. Se Mar-Vell estivesse na Terra, Jones iria pra Zona Negativa e vice-versa. Também não deu lá muito certo. Mesmo com arte do veterano Gil Kane, a revista da dupla Mar-Vell/Jones não emplacou. Mesmo com tantos elementos para se cativar os leitores, faltava alguma cola que unisse tudo e criasse um todo coeso.De involuntariamente relevante nesse período, temos uma história envolvendo mais tecnologia maluca dos krees e o adiado confronto final entre Mar-Vell e Yon Rogg, onde Carol Danvers volta a ter destaque e, ironia das ironias, em uma trama sobre dois homens brigando por causa de interesse romântico por uma mulher (póstumo, a bem da verdade, já que Una estava morta há um bom tempo). Carol ganharia as bases para uma história própria que rumaria para o oposto de qualquer objetificação feminina. Ela ganhou super poderes quando o maquinário kree explodiu e, eventualmente, se tornou Miss Marvel, primeira personagem a fazer parte desse legado e primeira heroína da editora a ser uma versão feminina de herói masculino. Sim, vamos falar dela mais à frente, com toda atenção que um certo filme está lhe conferindo. Ou tá achando que o velho Mar-Vell ia provocar todo esse nosso blá-blá-blá aqui sozinho? Vamos adiante.

Nos meses seguintes, Mar-Vell continuaria em uma descida rumo ao limbo, quando um jovem roteirista promissor apareceu nesse canto cósmico do Universo Marvel e o salvou da obscuridade. Com vocês, Jim Starlin, senhoras e senhores.

Talvez o primeiro roteirista a realizar um tipo de façanha que nas décadas seguintes faria a fama de outros como Frank Miller e Alan Moore, Starlin pegou um personagem que ninguém queria, praticamente condenado e fez algo quase autoral, que se tornaria A fase e a referência incontestáveis. Com um pé em conceitos filosóficos de sua formação acadêmica e outro no momento de contestação sociocultural da humanidade, ele trouxe um rumo bem definido ao herói kree.Gradualmente, fez o soldado encarar a loucura da guerra e optar pela defesa da vida. OK, isso já era basicamente o tema desde a estreia do Capitão, mas dessa vez a coisa foi bem feita e isso fez toda a diferença. Na virada das décadas de 1960 e 1970, a contracultura havia projetado a figura do sábio oriental como o símbolo alternativo à autoridade estabelecida. Alguém dedicado a transferir sabedoria em prol da humanidade. E Starlin logo trouxe um equivalente cósmico, uma entidade chamada Eon, que possibilitou a transcendência espiritual de Mar-Vell. Viu? Tudo bem característico da época.

E se você conseguiu dar um tantinho de importância ao que leu até agora, vai lembrar que o herói já havia se encontrado com outra entidade, recebido orientação espiritual e poderes. É, mais uma vez, Starlin repetiu o que havia sido feito, MAS, com uma competência que não só produziu melhores resultados, como também eclipsou o anterior.

Tudo isso, no entanto, não foi à toa. Havia um catalisador. Para se tornar o Protetor do Universo, o herói precisava antes de tudo ter um motivo para tanto. E Starlin tinha um motivo bem conceitual: a própria morte. E na visão dele, era tão multifacetada, tão cheia de ângulos e camadas quanto no mundo real. A morte da liberdade, o encerramento das funções orgânicas, o niilismo e a entropia do conceito em si, uma entidade antropomórfica. E seu mais devotado servidor.

Thanos, um personagem totalmente original no Universo Marvel, aludindo ao Thanatos da mitologia grega, com a imponência intimidadora de um Don Corleone, empenhado em dominar, subjugar e promover a morte por amor à Morte. Literalmente. Essa fase conseguiu ser tão épica, fértil e sólida que semeou décadas de histórias nos quadrinhos e, mais recentemente, no cinema.

Para o bem ou para o mal, Starlin fez a melhor história e a melhor fase de Mar-Vell, o que estabeleceu uma sombra gigantesca da qual nenhum outro roteirista conseguiu sair.

No próximo capítulo dessa nossa Semana Mar-Vell, vamos falar sobre o retorno de Starlin e o destino final do Protetor do Universo. Não perca, senão a namorada de Thanos vai querer levar um papo contigo…


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