Mercado editoral: estoque e catálogo

Por anos a fio, as seções de cartas das revistas mensais eram inundadas com pedidos de publicação ou republicação de certas histórias. Suposição vazia e descabida de qualquer verificação, deixemos claro. Apesar de nem sempre vir à tona, imagino que fossem inundadas com tais pedidos porque esse sempre foi o tipo de assunto que discutíamos com os amigos – até hoje é assim. Quem nunca conversou sobre aquele arco que foi ignorado ou aquela história fora de catálogo que nunca mais foi republicada? Acredito que, quando uma cartinha com esse teor era publicada, significava que os pedidos eram muitos e os editores resolviam: a) deixar claro que tal material não seria publicado; ou b) estava nos planos e em breve seria anunciado.

(Até que eles deram fim à seção de cartas. No lugar, vamos às redes sociais e, se você já esteve por lá, com certeza deve morrer de saudades do “Correio de Krypton”, da “Teia de Leitores” ou do “Leitores em Ação”, por exemplo.)

Nisso, cansamos de ouvir (ler) os mais variados motivos para que certas histórias não saíssem por aqui. Um exemplo que sempre gosto de utilizar é o da Vertigo: por quantos anos os leitores brasileiros ficaram esperando até que o material do selo adulto da DC Comics tivesse um tratamento minimamente decente? Mudanças de formato, de editora, cancelamentos, revistas mixes, periodicidade a perder de vista, mais cancelamentos: parecia um martírio ler qualquer coisa da Vertigo em português. Até que começamos bem, com o Monstro do Pântano de Alan Moore (que, oficialmente, nem era Vertigo), saindo em formatinho em SuperAmigos, Novos Titãs, Super Powers e numa revista própria. Bagunçado (tem história até em Batman e Super-Homem), mas completinho.

Sandman é outro caso emblemático. Aos trancos e barrancos, ao longo de 9 anos (!), a Editora Globo publicou todas as 75 edições da revista escrita por Neil Gaiman e com arte de inúmeros artistas. Isso em formato americano (na época, quase não tínhamos revistas em nesse formato), sem mix, da mesma forma que saia originalmente lá fora. Acontece que, quem comprou, comprou. E quem não comprou? Essas edições raramente apareciam em sebo – era um acontecimento – e o advento dos leilões virtuais, bem, você já deve saber o resultado.

OK, mas, aonde quero chegar?

A lista de mais vendidos da Amazon (consulte aqui) está longe de ser uma boa fonte – é atualizada de hora em hora e toma por base os produtos mais populares -, mas é a única que temos, posto que as editoras não divulgam seus números e nunca vi gibis na lista semanal de Veja ou Istoé. Então, qualquer tipo de análise ou comentário baseado nessa listagem fica limitado a um único ponto de venda: ainda que seja o maior, não disponibiliza todos os produtos (mensais e alguns encadernados de banca, por exemplo). No entanto, serve como bom mostruário e ajuda na proposta desse texto.

Entre os vinte mais vendidos na Amazon, no momento em que consultei, oito são republicações. Ou seja, 40% dos mais vendidos. Para ficar mais claro, vamos aos títulos: Absolute Sandman (Volume 4,) Preacher – Histórias Antigas, Marada: A Mulher-Lobo, Surfista Prateado: Parábola, Absolute Sandman (Volume 2), Conan: O Conquistador (histórias do Roy Thomas), Batman – A Piada Mortal e Lendas do Universo DC: Os Novos Titãs (Volume 1). Perceba também que desses oito, metade tem preço acessível e três deles custam mais de R$ 100. Se formos mais embaixo na lista, vamos encontrar Cavaleiro das Trevas, Batman: Ano Um, Maus, X-Men: Inferno, os outros dois volumes de Absolute Sandman, Os Leões de Bagdá

Com isso, vou pegar três exemplos, sem entrar em detalhes acerca da qualidade, relevância ou discutir o sexo dos anjos (se é clássico ou não). Também não é possível fazer cálculos mais precisos por não termos acesso ao número de vendas e à tiragem.

1) Surfista Prateado: Parábola foi publicado aqui duas vezes: em maio de 1989 (Editora Abril) e março de 2014 (Panini Books), um intervalo de 25 anos. Quatro anos depois dessa republicação, está entre os mais vendidos.
2) Batman: O Cavaleiros das Trevas teve mais encarnações. A Abril Jovem publicou em fascículos (quatro) em 1987 e num encadernado em 1988. Quinze anos depois, a mesma editora lançou em duas edições (num momento final de suas publicações de heróis). Em 2006, a Panini lançou a chamada edição definitiva, que sumiu e voltou aos pontos de venda em 2011, de onde não saiu mais (exceto um ou outro momento).
3) Sandman teve aquela versão da Globo (de outubro de 1989 e outubro de 1998). No ano seguinte saiu em fascículos pela Tudo em Quadrinhos, Atitude e Brainstore, indo até final de 2001. (Saíram também alguns encadernados nesse meio tempo.) Após a publicação de alguns encadernados spin-off, a Conrad começou a lançar os encadernados dos arcos, de junho de 2005 a julho de 2008. Pulou pra Pixel. E em abril de 2010, a Panini publicou o primeiro volume do Absolute. É para deixar qualquer colecionador maluco e falido!

Isso mostra que, no caso de Sandman, a publicação sempre sofreu com as vendas, certo? E quanto ao formato? Era viável? É um material de apelo? E Cavaleiro das Trevas? O que justifica ficarmos tantos anos sem esse material saindo por aqui, tendo que depender de sebos? Nas poucas vezes que vi um editor falando sobre o assunto, a resposta é sempre a mesma: o mercado da época não comportava coisas assim (falando de edições encadernadas). Mas nem era esse o caso: não tinha Surfista Prateado: Parábola em qualquer formato e agora a edição de 2014 continua sendo comercializado, ficando entre os mais vendidos.

Está o mercado amadurecido o suficiente para garantir que certos títulos não saiam de estoque? Reino do Amanhã e Watchmen sofrem mais com as variações e humores do mercado: o primeiro igualmente ficou anos sem ver a luz do dia (na CCXP 2016, na fila de autógrafos de Mark Waid, reinava aquela primeira edição da Abril, ao lado da versão definitiva da Panini), voltou há pouco tempo pela Panini, sumiu e reapareceu. No entanto, não é todo dia e toda hora que você entra numa livraria e encontra um exemplar de qualquer um dos dois, títulos tidos como clássicos absolutos, presença certa em listas de melhores de todos os tempos e amplamente recomendados.

Vivemos tempos em que teremos encadernados em estoque? Quero presentear algum amigo com Grandes Astros: Superman, ele precisa conhecer essa história. Encontrarei fácil um exemplar? Superman: Entre a Foice e o Martelo igualmente se encaixa nesse quesito. Voltou, vendeu feito água, deu uma sumida e agora reapareceu. Com essa formação de estoque, finalmente não precisaremos mais correr feito loucos para comprar uma republicação ainda em pré-venda? Quem não comprou Reino de Amanhã logo quando saiu temendo o famoso “sabe Deus quando vão lançar de novo”? Veja que não estou falando em esperar uma promoção: o assunto é organização financeira mesmo. Nem todos possuem R$ 120 para comprar um gibi no meio do mês, temendo que ele só reaparecerá, custando dez vezes mais, num site de leilão. O mercado parece que amadureceu – ou ao menos caminha a passos largo para isso. Resta saber como as editoras lidarão com isso.


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