A arte de Frank Brunner

Talvez um nome desconhecido hoje, mas quem já comprava as primeiras edições de Superaventuras Marvel no começo dos anos 80 deve se lembrar de Frank Brunner, desenhista da Marvel dono de um estilo que refletia a psicodelia dos quadrinhos e da cultura pop da década anterior.

Frank Brunner nasceu em 1949 e, após ter-se graduado na Manhattan High School of Art and Design, na mesma turma que Larry Hama (GI Joe, Wolverine), foi trabalhar fazendo o texto e a arte de quadrinhos de terror em preto e branco, gênero-sensação do mercado na segunda metade dos anos 1960. Nesse estilo, trabalhou em títulos como Vampirella e Web of Horror. Tendo atingido relativa fama, seguiu o caminho do colega Hama rumo à Marvel, onde começara a trabalhar em 1969, sobretudo com arte final e pequenas participações.

Foi em 1973 que Brunner assumiu a arte do projeto que o levaria ao reconhecimento do grande público de sua época: com os textos de Steve Englehart, Brunner compôs a equipe de Marvel Premiere, título que então publicava as aventuras do Doutor Estranho.

Frank Brunner, em 2008.

No começo, os textos estavam a cargo de Gardner Fox, a quem Brunner detestava. Com a mudança do escritor e o encontro dos dois jovens artistas (Englehart e Brunner) – ambos com uma queda para os opioides, o sobrenatural e o entendimento dos quadrinhos como veículo para sua arte, seus pensamentos e viagens no ácido – não só o título conheceu vida nova como, ao fim da saga ali contada, o Doutor Estranho ganhou revista própria a cargo da dupla em 1974.

Conta-se que eram costumeiras as “reuniões criativas” regadas a LSD da dupla Brunner e Englehart, assim como as festinhas igualmente psicodélicas onde eram comuns as presenças de nomes como Jim Starlin, Alan Weiss e Al Milgrom, entre outros. O grupo às vezes se chapava e perambulava por horas pela madrugada nova-iorquina, buscando inspiração para as “viagens” que preencheriam as histórias de títulos como Dr. Estranho, Capitão Marvel e Defensores.

Marvel Premiere #14

Por conta do comportamento “politicamente incorreto”, Brunner protagonizou alguns atritos dentro da redação da Marvel, em torno da preocupação com a censura e o reflexo de histórias tão “fora da caixinha”: não foram poucas as vezes que aquela geração de artistas precisou negociar – ou mesmo enrolar seus editores – para que suas histórias potencialmente polêmicas vissem a luz do dia.

Num caso curioso, revelado pelo próprio Brunner para a revista Comic Book Artist, ele e Englehart se viram em apuros com seu editor Roy Thomas, devido a um plot do  Doutor Estranho – ainda em Marvel Premiere – sob suas batutas: na história, Stephen Strange tem que impedir um vilão de alcunha Sise-Neg (“Gênesis”, ao contrário) de voltar cada vez mais no tempo enquanto acumulava energias místicas para provocar um novo big bang e, assim, se tornar o próprio Deus de um novo universo. Thomas não gostou da ideia, Stan Lee tampouco. Brunner conta:

 

Nós tínhamos acabado de completar a Marvel Premiere #14 – bem, eu tinha acabado de completar o lápis e a maior parte da arte, mas por alguma razão ninguém notou o que estávamos fazendo. Quando a edição saiu, Stan finalmente leu, ou  alguém mostrou pra ele, e ele nos escreveu uma carta dizendo: “Nós não podemos fazer Deus. Vocês vão ter fazer que uma retratação na coluna de cartas dizendo que isso não é ‘o’ Deus, isso é apenas um deus”. Steve (Englehart) e eu dissemos: “ah, qual é! Esse é o ponto principal da história! Se fizermos essa retratação, vai perder todo o sentido!” 

Daí, Steve estava a caminho do Texas para algum compromisso, e inventamos essa estória: escrevemos uma carta em nome de um reverendo Billingsley, que não existia, dizendo que uma das crianças em sua paróquia lhe mostrou a revista, e ele ficou surpreso e emocionado com ela, e ele teria dito: “uau, esta é a melhor revista em quadrinhos que já li”. E nós assinamos pelo “Reverendo Fulano, de Austin, Texas”. Como o Steve estava no Texas, ele postou a carta de lá mesmo, para que ela tivesse o carimbo certo. Então, recebemos um telefonema de Roy, e ele disse: “Ei, sobre essa retratação, vou lhe enviar uma carta e, em vez da retratação, quero que você imprima esta carta”.

E foi a nossa carta! Nós imprimimos nossa própria carta!

Infelizmente, Brunner não conseguia acompanhar os prazos da revista e, quando a mensal Doutor Estranho estourou e (por conta disso) sua periodicidade passou de bimestral para mensal, ele abandonou o título. De acordo com Starlin, Brunner já vinha perdendo o interesse no título, e seu problema com os prazos agravou tudo: “Eu fumava bomba, pingava ácido e comia cogumelos — e cumpria os prazos. Brunner também era ligado nessas coisas, mas acabou que não conseguiu pegar o ritmo. Ele ficava dizendo ‘a gente podia fazer isso e aquilo’, e eu dizia ‘sim, mas tem de caber nas 17 páginas’…”.

Brunner parecia não gostar de estar em evidência, mas a fama queria lhe perseguir: decidiu trocar Doutor Estranho por um projeto menor ao lado do escritor Steve Gerber: Howard, o Pato. Apesar da curta colaboração dele também neste título, as edições fizeram sucesso com sua arte rica e surreal (ou “neo-gótica”), aliada aos textos ferozes e inteligentes de Gerber.

Brunner desenhou ainda a edição #30 de Espada Selvagem de Conan, adaptando o conto de Robert E. Howard chamado “A Cidadela Escarlate” com uma arte em preto e branco que transitava entre o lápis e a arte final grossa (no Brasil, publicada pela Editora Abril em Conan Rei #3-4 e republicada em Conan, O Bárbaro #72 da Mythos).

O artista depois passou a fazer apenas capas para a editora – provavelmente por conta de seu problema com prazos. Porém, seguindo uma tendência de muitos de seus contemporâneos (Barry Windsor-Smith, Michael Kaluta, Bernie Wrightson, etc), passa a produzir títulos de fantasia como ElricBran Mak Morn (outra propriedade de Robert E. Howard) e até mesmo uma Alice no País das Maravilhas crescida, com o corpo curvilíneo das donzelas em perigo dos seus mundos medievais.

Elric, por Frank Brunner, publicado na Heavy Metal Magazine

Em 1979, enfim, ele deixa a Marvel e os quadrinhos, afirmando sentir que “o meu romance com os quadrinhos acabou”. Um retorno breve à mídia aconteceu em meados de 1980, quando o artista fez artes para a revista Heavy Metal e para o selo Epics Illustrated da Marvel. Em 1984, lançou sua graphic novel chamada The Seven Samuroid (nunca publicada no Brasil), inspirada no filme clássico Os Sete Samurai, de Akira Kurosawa, e alguns trabalhos para a editora Star-Reach, com a qual já havia trabalhado na década anterior. O romance, porém, havia realmente acabado.

Desde então, Brunner devotou a sua carreira ao cinema e à TV, trabalhando em projetos da Hanna-Barbera como Jonny Quest, a produção do Batman de Tim Burton (1989), e Invasão da Terra (Invasion America, animação da Dreamworks exibida no Brasil nos anos 1990 pela Rede Globo). Trabalhou, ainda, em diversas animações famosas no Brasil, como: Batman – A Série AnimadaSkeleton Warriors, Dark Stalkers, Robocop e Os Novos Caça-Fantasmas.

Capa de Seven Samuroid, graphic novel de 1984

Infelizmente, Frank Brunner não retornou mais aos quadrinhos. Sua arte rica, poderosa, com trânsito entre o surreal e o psicodélico, marcou os personagens por onde passou e revelou sua facilidade em parcerias com mentes igualmente criativas (e subversivas). Seu website continua ativo, com algumas belas comissions e um visual nostálgico para quem conheceu a internet nos anos 1990/2000. No Brasil, seu trabalho hoje pode ser encontrado em dois volumes da coleção Salvat/Marvel capa Preta: Doutor Estranho: Uma Realidade à Parte e Howard, o Pato, bem como em Conan – Edição Histórica #2 da ed. Mythos.


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