Locke & Key #1: Welcome to Lovecraft

4.5

NOTA DO AUTOR

Fazia alguns anos que a série Locke & Key perambulava incógnita em meus pensamentos, e isso se devia a três fatores:

(1º) Blair Butler é o que poderíamos chamar de um protótipo de “YouTuber”, num tempo em que essa praga ainda não havia sido irremediavelmente disseminada na humanidade. Figura fácil nas mais variadas convenções norte-americanas de quadrinhos, Butler era dona de um humor ácido, ágil e, claro, o que fazia realmente diferença, opinião abalizada sobre a indústria e boas intuições quanto a novidades que só começavam a despertar a atenção da crítica.

Nos idos de 2007, no canal G4, dentro do programa Attack of the Show, ela ganhou seu próprio segmento, chamado Fresh Ink, no qual resenhava quadrinhos, analisando as novas edições, sempre em tom de papo reto, recomendando ao espectador sobre o que “comprar”, “folhear”, ou “incinerar”. Infelizmente, o mesmo foi encerrado em 2013 e sequer existem registros sobre o referido bloco no site do G4, mas o que importa para nós, aqui, é que Blair foi nossa “madrinha” quanto a Locke & Key, listando-o sucessivamente entre os melhores do ano ou de todos os anos ou, vá lá, de todas as vidas. Definitivamente, ela tinha minha atenção.

(2º) Cinco anos atrás, li por indicação de fontes confiáveis o romance O Pacto (Horns, 2012). Também sequer sabia a sinopse ou a ficha corrida de seu autor, Joe Hill. Esse livro, quem diria, acabou se tornando um dos melhores que consumi àquela época. Tratava de Ig Perrish, um sujeito cuja premissa inicial já te pegava de assalto:

Não se deixe levar pelo filme bobo de 2013, com o “Harry Potter”. A prosa do Sr. Hill lembra a mística do Sr. Gaiman e o herético do Sr. Moore, quer dizer, o melhor de dois mundos. E, para minha total surpresa, Joe Hill era o diminutivo de Joseph Hillstrom King, prole de nada mais nada menos que Stephen King. Por sinal, ignorância das mais bem-vindas, evitando comparações indevidas e, principalmente, a experiência aqui. Fato é que, como percebi dois minutos depois dessa descoberta, Joe Hill era o mesmo roteirista que a minha estimada Sra. Butler vivia celebrando em Locke & Key. E, agora, alçado no meu imaginário como sonho de consumo, por conta de O Pacto e as recentes vitórias no Eisner Awards 2011¹.

¹ No qual rendeu o prêmio de Melhor Roteirista para Hill e indicações de melhor série regular, edição individual [one-shot] e artista pelo traço de Gabriel Rodriguez.

(3º) Em dezembro de 2013, a série em comento chegava ao seu desfecho, tendo compilado até ali os seis fascículos [das seis minisséries em seis edições]; em agosto de 2014, a estreante Editora Hanabi anunciava o lançamento de Locke & Key. Resultado: seu catálogo teve início e se encerrou com uma única edição digital de Godzilla.

Corta para 2017, perdi a paciência e adquiri esse belo slipcase com a coleção completa, o qual dará ensejo a essa série de reviews que começa aqui:

***

Da esquerda para direita, em cima: Rendell, Nina, Sam e Duncan; embaixo: Tyler, Kinsey e Bode.

Welcome to Lovecraft, volume debute dessa série de mistério e horror, tem início no dia em que o orientador educacional, Rendell Locke, se vê acuado em sua própria casa, quando alunos problemáticos a invadem para dar uma lição nele e na família. Um desses alunos, Sam Lesser, psicopata no melhor [ou seria pior?!] estilo “Paul”, de Violência Gratuita, executa sumariamente Rendell e nos minutos seguintes, passa a aterrorizar os Locke sobreviventes, Nina e os filhos Tyler, Kinsey e Bode. Pouco tempo depois, atendendo às instruções de Rendell em vida, a família Locke se muda para o distrito de Lovecraft, no estado de Massachusetts, localizado na região da Nova Inglaterra, mais precisamente, para a mansão vitoriana que pertencia aos seus ancestrais, apelidada de “Keyhouse”, aos cuidados do irmão Duncan.

A princípio, a trama segue o padrão básico da síndrome do sobrevivente, dando voz e mostrando como cada um dos Locke reagiu no momento e dias depois da invasão domiciliar. Tyler, o mais velho, está tentando se ocupar do máximo de trabalho braçal possível com reparos na casa, para evitar os pensamentos de culpa por ter alimentado, sem querer, as neuroses de Sam no colégio; Kinsey, a irmã do meio, tenta – em vão – não ser estigmatizada na escola nova como a garota esquisita que sobreviveu a um massacre; por fim, ninguém tem tempo para Bode, o caçula, que, a seu próprio modo, também vem sofrendo com a trágica perda, mas encontra, nas explorações da Keyhouse, a válvula de escape perfeita.

Bode atravessa a porta fantasma.

Algo que começa a preocupar Nina, sempre com uma garrafa de vinho em mãos, e os demais, que acreditam que o filho mais novo está fantasiando com a descoberta de uma suposta chave que destrancaria uma “porta-fantasma”, que, quando atravessada, separaria corpo e espírito. O problema, contudo, é que a história da chave é verdadeira, mas ninguém parece dar ouvido a Bode, com exceção do seu insólito eco na casamata do poço, revelando-lhe algumas primeiras informações a respeito da Keyhouse, quais sejam: (A) por ser criança, Bode está mais suscetível a enxergar as verdades sobre aquela propriedade do que os mais velhos; (B) quando era jovem, Rendell tinha as mesmas aptidões que Bode, mas ao passo que fora envelhecendo, fora se esquecendo² e, quem sabe por quê, escondendo também as outras chaves; (C) além da chave que destranca a supracitada porta fantasma, existem outras que, ao atravessá-las, podem te deixar mais velho, mudar seu gênero e até lhe levar a qualquer lugar que deseja. Hill sugere, portanto, que as gerações anteriores de Locke que habitaram a Keyhouse compartilham tragédias pessoais em torno daquelas e várias outras chaves com propriedades ainda desconhecidas para o leitor.

² Duncan Locke parece sofrer dessa mesma amnésia seletiva, contudo, ainda é cedo para afirmarmos com certeza. É provável que os próximos fascículos trabalhem o passado dele com Rendell.

***

Múltiplas chaves/portas, múltiplas possibilidades.

O que Bode fará com essas linhas guias ou o que o “eco” dele tem em mente, deixo aqui em aberto para que o leitor descubra. Não obstante, cabe dizer que a série, já nesses primeiros momentos, demonstra uma rica iconografia, apresentando designs [de Vincent Chong] de chaves que praticamente gritam contigo para virar memorabilia. Outro ponto não menos importante, é a arte interna de Gabriel Rodriguez, que esbanja em perspectiva e funcionalidade narrativa, mas, pessoalmente, seu aspecto um tanto cartunesco (me lembra vagamente o traço de Gustavo Duarte) não parece casar com a atmosfera ditada por Hill. Acho que um nanquim mais soturno como o de Eduardo Risso, Paul Azaceta ou Sean Phillips faria toda a diferença aqui.

Locke & Key começa bem, sobrando em potencial. E é isso, minhas chaves estão ali, sob a cabeceira; podem deixar a porta aberta, logo mais, volto com o review do segundo volume, Head Games

 

  

Roteiro: Joe Hill

Arte: Gabriel Rodriguez

Editor: Chris Ryall

Capa: Vincent Chong

Publicação original: Locke & Key, V.1 Welcome to Lovecraft (#1-6)

No Brasil: Inédita

Nota dos editores:  4.3

 

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