Eisner 2017: Kill or be Killed, Volume 1

5.0

NOTA DO AUTOR

Acredito que, de modo geral, todos da família Arte-Final vêm acompanhando com espanto e preocupação genuína o número alarmante de relatos sobre suicídios. Por natureza, trata-se de um tema dificílimo que polariza opiniões, muitas das quais sem estofo ou, vá lá, redutoras pela mera adjetivação. Recentemente, tive contato com uma situação dessas e testemunhei coisas absurdas sendo atribuídas ao sobrevivente, creditando-lhe – injustamente – parte da culpa por aquele óbito. Acertadamente, faz parte da práxis da imprensa evitar a veiculação desse tipo peculiar de obituário, algo que, por um lado, respeita a dor das famílias e não dá azo a glamourizações da prática; e, por outro, mascara a existência do problema. Reitero, não é fácil.

A cena pop, contudo, é irascível e, como já disse Humberto Gessinger, “não poupa ninguém”. Quer dizer, esse tipo de anonimato corriqueiro próprio dos civis sequer é opção para pessoas públicas, a exemplo das tragédias que cercaram recentemente as perdas de Chris Cornell (Soundgarden/Audioslave) e Autumn, filha do diretor de BvS e Liga da Justiça, Zack Snyder. Na ficção, discussões acaloradas têm sido feitas a respeito da série 13 Reasons Why (Netflix/2017) sobre o triste destino de Hannah Baker, personagem polêmico que decide tirar sua vida e elenca treze motivos que lhe levaram a isso, registrando-os em treze lados de sete fitas cassete, de modo que cada nome ali citado as ouvisse post-mortem.

Há quem detrate e há quem acolha a trajetória dessa suicida como alerta à sociedade, e não apenas à localidade norte-americana. A única opinião que carrego comigo até agora é que não há lados certos aqui – fica a dica: se já assistiu, ouça o podcast Canal 42, que tratou do tema com bastante acuidade e diversidade de pontos de vista.

Como disse, o tema desafia até os mais sensatos e a inclinação natural de qualquer um é mudar logo de assunto. Kill or be Killed, de Ed Brubaker e Sean Phillips, vai nessa contramão e, guardadas suas devidas proporções, tateia a mente de um depressivo que sobrevive a duas tentativas frustradas de suicídio. Essa é a oitava¹ colaboração dessa dupla criativa, que, como disse outrora, “se estabeleceu com trabalhos autorais de cunho pulp noir […], construindo narrativas voltadas para as engrenagens do submundo e personagens que vivem às turras como párias, a margem da sociedade e do próprio submundo”.

¹ 1/Gotham Noir, 2/Scene of Crime, 3/Sleeper, 4/Criminal, 5/Incognito, 6/Fatale, 7/The Fade Out.

Indicada ao Eisner Awards 2017 nas categorias Melhor Série, Roteirista e Capista, a história dá voz a Dylan, universitário de vinte e oito anos que partilha um apartamento com Mason, colega anos mais novo, que a seu contragosto namora Kira, sua melhor amiga. Logo no início, tal como tantas outras histórias de Brubaker, a narrativa é feita em primeira pessoa, mas com um diferencial: o julgamento do protagonista está nublado pela depressão e nada do que diz, deve ser tomado como verdade absoluta para o leitor. Isto é, aquela é a verdade segundo Dylan, se ela é ou não fatual, aí é uma conversa para outro dia.

Fato mesmo é que na segunda tentativa malograda de suicídio, Dylan passa a creditar sua terceira “segunda chance” a um demônio interventor, que de bom samaritano não tem nada e deseja sua parte: uma vida por mês. A princípio, julgando-se delirante, dada a dor da queda que acabara de sofrer, ignora o “contrato” e à medida que o dia de pagar o “aluguel” da própria vida vai se aproximando, ele começa a adoecer², entrando e saindo de hospitais. É fruto daí, do desespero, que Dylan faz sua primeira vítima, usando como muleta moral um vigilantismo trôpego e hipócrita, mais puxado para o lado “Travis Bickle” da coisa do que “Dave Lizewski”. Era a fuga perfeita, mas não impune ou imune ao preço que mentiras e hematomas – muitos hematomas! – começaram a infligir no resto de vida pessoal que ainda tinha.

² Será que o Dylan viu o que quis ver e aquela doença era puramente seu corpo somatizando o que a mente vinha ditando?!

***

Antes de ir, duas coisas:

(1) Acho absurdo que o editorial quadrinista tupiniquim venha ignorando solenemente os trabalhos do duo Brubaker/Phillips. A última vez que a dupla foi publicada no Brasil se deu em 2011, na segunda coletânea [de sete] de Criminal, e abortada logo após. Sem alternativas ou, quiçá, esperanças de que esses materiais venham a ser lançados por essas bandas, passei a adquirir os compilados gringos e – quem diria –, os preços praticados não têm sido nada abusivos se comparados com os cobrados em TPBs pela Panini ou Devir: é possível encontrar Kill or be Killed V.1 [#1-4] por menos de R$ 40,00. Outro detalhe é que a linguagem nativa do autor não é linguisticamente desafiadora ou hermeticamente fechada como os textos cheios de gírias de Garth Ennis ou referências locais como os de Brian K. Vaughan.

(2) E acho absurdo que essa parceria, até agora, não tenha rendido nenhuma premiação individual ao trabalho de Phillips – como já o fizeram em N ocasiões pelos roteiros de Brubaker. É bem verdade que há uma nomeação de capista na edição atual do Eisner Awards, mas soa como “prêmio” de consolação frente à ausência entre os indicados a Melhor desenhista/artista multimídia (páginas internas). Advogando em favor do artista apenas por Kill or be Killed, já se pode dimensionar o tamanho da injustiça, sobretudo porque Phillips se desdobra em dois na trama: em um na reprodução do enredo em si a partir da assinatura hiperrealista que o consagrou; e em dois ao abraçar, quase que metalinguisticamente falando, a identidade visual do pai de Dylan, como artista de peças pin-ups de pornô bizarro dos anos 1960/1970.

***

Se ele não pode levar o troféu por isso, ao menos dediquemos um barril de chopp àquele inglês talentoso. Ele tem seu lugar no nosso coração e um belo metro quadrado reservado no inferno.
  

Roteiro: Ed Brubaker

Arte: Sean Phillips

Editor: Eric Stephenson

Capa: Sean Phillips

Publicação original: janeiro de 2017

No Brasil: inédita

Nota dos editores:  5.0

 

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4 comentários sobre “Eisner 2017: Kill or be Killed, Volume 1

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