Este mês terminou talvez uma das maiores surpresas positivas da linha de quadrinhos DC desde que Brian Michael Bendis instituiu o selo Wonder Comics na editora em sua chegada. Trata-se da revista dos Supergêmeos, Wonder Twins, com roteiro de Mark Russell e Stephen Byrne nas ilustrações. Inicialmente programado como minissérie em 6 partes, a aceitação das aventuras de Zan e Jayna foi tão positiva que a DC estendeu a revista para 12 edições fechando praticamente 4 mini arcos completos de histórias que conversam com praticamente qualquer tipo de leitor, apesar de não parecerem.
Quando Wonder Twins foi anunciada boa parte dos leitores teve a impressão que seria somente mais um título para encher catálogo usando personagens que tiveram certa popularidade nas décadas de 1980 e 1990 por conta do desenho dos SuperAmigos. Eis que entra na equação o fator Mark Russell. O autor, que ainda não se consagrou entre boa parte dos leitores como um nome de peso da indústria, já ostenta um currículo bastante expressivo na editora desde a iniciativa DC YOU, quando foi contratado pela primeira vez para escrever o subestimado (e inovador) título Prez. Desde então Russell usa todo seu arsenal de experiente romancista sociopolítico em títulos como Os Flintstones e Leão da Montanha, chegando finalmente ao convite do próprio Bendis para escrever o quadrinho de Zan e Jayna.
Como fã confesso dos personagens desde sua infância, Russell não escreve simplesmente um quadrinho de aventura infantil em sua Wonder Twins. O autor usa principalmente o fato dos personagens de segundo escalão da editora serem jovens, serem alienígenas e terem habilidades não tão poderosas para construir uma de suas analogias críticas que desta vez engloba desde a escola na qual os protagonistas estudam quanto a própria Liga da Justiça e seres da mitologia cósmica da DC.
O tema que permeia quase todo o quadrinho ironicamente acaba sendo a nostalgia e os males que o sentimento pode causar em pessoas muito apegadas a um certo período de tempo quando há mudanças de status quo. Nas 12 edições ainda vemos pinceladas críticas em temas como encarceramento massivo, racismo, xenofobia e questionamentos sobre a natureza de heróis e vilões. Usando de um elenco central que é essencialmente nostálgico para o leitor mais antigo (quem não lembra dos gêmeos nos desenhos dos SuperAmigos?), o autor faz um preciso contraste entre o velho e o novo e ataca pontualmente de forma muito inteligente e sempre bem humorada o sentimento tóxico de que “na minha época era melhor” tão comum em tempos de “Make qualquer coisa great again”. O tema, que afeta tão frequentemente tanto leitores jovens quanto antigos, é o pano de fundo perfeito para as aventuras dos dois irmãos como estudantes e estagiários da Liga da Justiça.
Quem já leu algo de Russell na DC talvez não se surpreenda com a impressionante capacidade do autor em dar vozes específicas a seus personagens. Cada figura em Wonder Twins tem um jeito muito próprio de se expressar em seus balões e talvez esse seja um dos maiores desafios para um elenco tão abrangente e cheio de participações especiais ilustres. Com roteiros leves e esse tipo de diálogo aguçado, sucinto e bem definido toda a agenda crítica (que é extensa) de Russell em Wonder Twins acaba sendo muito facilmente digerida e em momento algum sente-se um tom panfletário mais exacerbado na leitura das 12 edições.
Stephen Byrne ficou bem conhecido por suas ilustrações coloridas, caricatas e divertidas em redes sociais, mas em quadrinhos sequenciais ainda não havia deixado sua marca. Tudo isso muda em Wonder Twins. O enquadramento sóbrio e os traços limpos com expressões corporais exageradas além de uma colorização muito brilhante é ideal para o tom de roteiro de Russell. Byrne consegue transitar entre os confins do espaço e um refeitório de colégio com naturalidade extrema e sua caracterização tanto dos protagonistas quanto de bastiões da editora como Batman e Super-Homem é perfeita para a pegada de Russell neste título.
Wonder Twins, visto de longe, pode não parecer o gibi que um leitor de mais idade se interesse em ler. As capas coloridas e o visual Archie com certeza não convidam um fã do Justiceiro ou da Vertigo a gastar seu dinheiro com isso. No entanto os tema centrais dos arcos da revista conversam diretamente com boa parte destes leitores o tempo todo. Isso tudo através de um roteiro extremamente fluído e uma arte agradável e 100% compatível com esta proposta.
Roteiro: Mark Russell
Arte: Stephen Byrne
Editor: Brian Cunningham
Capa: Stephen Byrne
Publicação original: Wonder Twins #1-12 (fevereiro de 2019 a fevereiro de 2020)
No Brasil: inédito
Nota dos editores: 3.5
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