Três Buracos

5.0

NOTA DO AUTOR

Shiko é, para mim, o maior quadrinista em atividade no Brasil. Mesmo que ele demore séculos entre uma publicação e outra, a espera compensa. Arte incrivelmente linda, domínio pleno da narrativa, bom contador de histórias… todas as qualidades possíveis estão em seus trabalhos. Conheci seu trabalho por meio de Lavagem, álbum igualmente lançado pela Editora Mino em 2015 e que faz parte de uma possível trilogia do autor sobre problemas sociais típicos do interior do Brasil. Sim, a fama dele para boa parte dos leitores (eu incluso) veio com Piteco: Ingá, uma Graphic MSP lançada em 2013; conhecido e afamado projeto da Maurício de Sousa Produções que alavanca ótimos autores nacionais para um público mais amplo.

Seguindo o rastro do ótimo Lavagem, em Três Buracos o autor apresenta uma área de garimpo com tudo que vem junto: violência, prostituição, ganância e mortes, muitas mortes. Três Buracos, mais do que uma metáfora, é o nome da localidade onde vivem Tânia e seu irmão, Canhoto, ambos filhos do delegado da localidade, que dominava tudo e mantinha a ordem por meio de muita violência e extermínio dos que desobedeciam ou roubavam o produto da extração de seu trabalho, posto que a mina pertence a um rico proprietário. Aqueles que “desobedeciam” a lei pagavam com a própria vida sendo enforcados no cemitério da cidade, visto que armas de fogo eram proibidas, uma forma de garantir a tranquilidade.

A partir disso, Shiko explora a vida adulta dos irmãos, os caminhos que seguiram na vida após a morte do pai, acusado de roubar a mina após encontrar uma enorme turmalina e recusar-se a entregá-la ao dono. Por meio da vida desses dois produtos do meio em que nasceram, Shiko tece críticas – ora sutis, ora escancaradas – às questões regionais muito próprias e ainda em vigência: coronelismo, violência (em todas as suas matizes), ganância, miséria (humana e material) e como pequenas localidades no interior do país vivem à margem do “Brasil real”, esquecidas pelo poder público e entregues à própria sorte. Atual e urgente, Três Buracos toca com força em várias de nossas feridas, as escancara e expõe um Brasil que não aparece nos jornais, nas novelas, em sites ou blogues, mas são reais. Tão reais quanto assustadoras.

Não bastasse o traço e a habilidade na arte, Shiko sabe te prender. Ao longo de suas 120 páginas, Três Buracos é uma leitura urgente e dinâmica, daquelas que você só larga quando termina. O autor mistura gêneros com grande facilidade, entregando um faroeste moderno com altas doses de horror. Ou uma história de horror com grandes pinceladas de faroeste. Seus diálogos são naturais, fluídos, seus personagens são facilmente reconhecíveis, sua narrativa é direta, entrelaçadas com ótimos devaneios sobrenaturais que acrescentam ainda mais tonalidades à história. Genuinamente brasileiro sem pieguices ou ufanismos tolos. Mais do que uma ótima crítica social: é um retrato cristalino do nosso país. Um obra necessária. E um gibi excelente, acima de tudo.

 

  

Roteiro: Shiko

Arte: Shiko

Editor: Janaína de Luna

Capa: Shiko

Publicação original: agosto de 2019

No Brasil: 

Nota dos editores:  5.0


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