Super-herói negro tem de ser high-tech? (Parte 2)

Na ficção, quando alguém passa a controlar alta tecnologia, torna-se mais do que humano. Se destaca e adquire um posição de poder sobre os demais. Certo? Bom, sim e não. Personagens negros, em muitos casos, acabam se tornando… Úteis. Exagero? Na primeira parte dessa nossa conversa sobre super heróis negros high-tech, falamos sobre a involução de Victor Stone, o Cyborg, na fase Novos 52. E olha que seu roteirista nessa época, Geoff Johns, foi um dos mais bem sucedidos das últimas duas décadas.

Acha que considerar a versão do Johns uma involução é exagero? Já assistiu Conduzindo Miss Daisy, filme belíssimo com Morgan Freeman fazendo as vezes de motorista de madame pra Jessica Tandy? É isso. Muito provavelmente sem querer, um herói negro tecnológico, talvez o mais renomado da DC, foi reduzido à motorista da equipe nº 1 da editora, em pleno século 21.

Não estamos nem falando de uma função de gênio científico, a exemplo de outro grande herói com background semelhante. John Henry Irons, o Aço, personagem criado na década de 1990 como substituto inspirado pelo Superman, logo após a morte de Kal-El nas mãos do monstro Apocalypse, é um cientista negro que decidiu usar seus inventos para combater crimes e ajudar pessoas. Ele também se sentia culpado por suas invenções terem sido usadas com fins militares e não tem como não lembrar de Tony Stark depois dessa, mesmo o Aço sendo um cara gente fina.

Continuando e voltando ao comparativo com Cyborg, John Henry Irons participou de uma formação da Liga, na fase sacrossanta trazida ao mundo por Grant Morrison. Ele era, nas palavras do próprio escocês, a versão superheróica de Hefesto, em uma equipe comparável ao panteão da mitologia grega. Ele era o artífice, o engenheiro, o gênio, não o cara da manutenção. Em determinada história, quando a base da Liga na lua foi invadida por Triunfo, Aço se desfez da armadura com o “S” no peito e virtualmente VESTIU a estrutura da Torre de Vigilância, assumindo controle cibernético de tudo e sendo crucial na derrota do maluco.

Ok, vamos falar de John Henry. Pensou que já tínhamos falado? Não, o verdadeiro nem é personagem de gibi. É real. Embora seja lendário. Complicado?

Nos tempos das estradas de ferro nos EUA, em algum momento do século 19, um ex-escravo trabalhando na desumana tarefa de perfurar rocha com marretas para plantar dinamite, teria desafiado o avanço tecnológico, quando seus patrões trouxeram uma máquina à vapor. Ele conseguiu ser mais rápido e potente que a máquina, só que morreu em decorrência disso. O quanto dessa história é real ou lenda, não se sabe até hoje. O fato é que a cidade de Talcott, West Virginia, tem uma estátua em homenagem à John. E a dupla Louise Simonson/Jon Bogdanove se inspirou nele para compor parcialmente o conceito de Aço.

Entre preconceito, racismo, contextos históricos norte-americanos e estereótipos é inegável que existe algo levando a indústria dos quadrinhos à usar dispositivos, trajes e cibernética para conferir poderes aos personagens negros. Do contrário, não teríamos uma lista tão extensa, na qual ainda nem citamos os legionários Kid Quantum (usuário de um cinto de êxtase, primeiro membro da Legião dos Super-Heróis a morrer em ação e catalisador da regra que proibia uso de equipamentos como fonte de poder principal na equipe), Danielle Foccart/Computo II e G.E.A.R. do século XXXI, Houngan (um sacerdote vodu que utiliza agulhas e bonecos eletrônicos), Michael Holt, o segundo Senhor Incrível da Sociedade da Justiça da América, Skyrocket da Power Company, Shadowhawk, herói criado por Jim Valentino, Gatuno, Rocket Racer e Hardware, um dos principais heróis da linha Milestone.

E se você achou que tínhamos esquecido de James Rhodes, o segundo Homem de Ferro, mais conhecido como Máquina de Combate, se enganou. Esse é um dos melhores exemplos de evolução no aspecto que estamos abordando. Começou como o empregado leal, aquele coadjuvante tipo Lothar, o leão de chácara do mágico Mandrake, para gradualmente ganhar espaço e personalidade, além de participações permanentes em várias mensais dos Vingadores e em mini séries e mensais próprias. Inclusive, o sujeito já foi ciborgue por um tempo, durante a fase Reinado Sombrio (Dark Reign) da Marvel. Recentemente passou por uns probleminhas nos gibis americanos, nada demais, apenas morreu, mas não há com que se preocupar. Eles SEMPRE melhoram.

Enquanto isso, uma personagem criada por Brian Michael Bendis e o brasileiro Mike Deodato foi anunciada pela Marvel como sucessora de Tony Stark, trajando uma nova versão da armadura do Homem de Ferro. Ela se chama Riri Williams, uma adolescente gênio, tendo sido capaz de fazer engenharia reversa e construir uma imitação da tecnologia de Stark. E é negra.

Riri trouxe leveza, empolgação e questionamento social, durante o período em que protagonizou Invincible Iron Man, embora seu codinome na verdade seja Ironheart. Felizmente superou com facilidade as críticas por ser, na opinião de alguns leitores, apenas uma personagem para cumprir cotas e surfar na onda SJW (social justice warrior).

Leitores novos e veteranos aprovaram a novata, agora é ver o que os editores e roteiristas farão com ela, já que está sem mensal própria e aparecendo apenas na revista da equipe de adolescentes Os Campeões.

Se existe alguma motivação no inconsciente coletivo dos roteiristas norte-americanos para a existência de tantos negros e negras super-heróis tecnológicos, somente um estudo mais aprofundado pode dizer. O que realmente importa é termos esses personagens com relevância e protagonismo, não apenas como operadores de máquinas à serviço dos “patrões”.

Vamos celebrar a diversidade ou questionar o racismo, no fantástico mundo dos super-heróis? Enquanto elaboramos a resposta, que ao menos as aventura de Riri Williams tenham servido como ótimo exemplo para leitores e para a própria indústria dos quadrinhos.


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