O Batman de Tom King

No 7 Jagunços que gravamos sobre essa fase, logo de início falamos acerca da expectativa criada em torno do nome de Tom King, quando fora anunciado como novo escritor do Batman. King era o mais cogitado entre os fãs para ser o novo escritor do Morcego e substituir Scott Snyder após uma longa fase. As razões para tanta expectativa eram várias, mas lembro especificamente de duas: a série Grayson e o antigo emprego de King na CIA (Central Intelligence Agency), a famosíssima agência de inteligência norte-americana.

Muito elogiada, Grayson saiu completa por aqui. Caso não tenha lido, trate de correr atrás das edições de A Sombra do Batman, onde a revista saiu por aqui (e mais um especial, para fechar a série). Em Grayson, King dividia a história com Tim Seeley: ambos escreviam o argumento e se revezavam no roteiro (dessa série, King trouxe o grande desenhista Mikel Janín para acompanhá-lo na mensal do Batman). Com um pouco mais de atenção você percebia que as histórias de King eram razoavelmente melhores que aquelas comandadas por Seeley. Falando agora parece fácil, né? Mas o tempo se provou: o Batman de Tom King é um sucesso e o Asa Noturna de Tim Seeley é bem mais ou menos. De qualquer forma, foi em Grayson que King mostrou que era o homem certo para comandar a nova fase do Cavaleiro das Trevas.

Aliada a isso, tem a informação que sempre causou frisson entre os leitores: Tom King trabalhou um tempo na CIA. Sua função lá, eu nunca soube, mas veja o excelente O Homem Mais Procurado (um dos últimos filmes em que Philip Seymour Hoffman atuou), de Anton Corbijn, para ter uma ideia bem mais crível acerca do trabalho realizado por espiões e agentes. Independente disso, Tom King era o cara certo, com o background certo (não nos esqueçamos que ele não era nenhum novato: estagiou tanto na Marvel quanto na DC ao fim dos anos 1990). E a DC Comics foi lá e não decepcionou: em agosto de 2016 era publicado Batman: Rebirth #1 (aqui saiu em Batman #1, terceira série da Panini, em abril de 2017), dando início a nova fase do Homem Morcego.

Ao contrário do que poderíamos imaginar (pelo menos, eu imaginei), Tom King não transformou Bruce Wayne num James Bond. Nem tivemos um retorno ao Batman detetivesco (queixa antiga de uma parcela dos leitores, eu incluso). Deu segmento ao crescimento contínuo daquele Batman infalível, indestrutível e superpoderoso conduzido por Grant Morrison na década passada. De cara, logo na primeira edição, vemos Batman “pilotando” um avião, no melhor estilo… James Bond?

Além disso, temos um cientificismo em seus cálculos, justificando seus malabarismo performáticos perante a física newtoniana (por meio de Duke Thomas, o Robin que não é Robin). Confesso que esse Batman overpower me cansa rapidamente. Pensando nisso (risos), King enveredou por outros caminhos em busca da “humanidade” de Bruce Wayne. Ele é um ser humano como qualquer um de nós (só que bem mais rico e bem mais obcecado), agindo como se tivesse poderes iguais ao do Super-Homem. Precisava baixar um pouco a bolinha, pois estávamos caminhando para que o Batman se tornasse um Super-Homem da Era de Prata. Falta pouco para ele amarrar um planeta com uma corrente e arrastá-lo nas costas.

O casamento

Para tanto, Tom King investiu pesado no perfil psicológico de Bruce Wayne. Desde o início, ele deu pistas ou explicitou que essa seria sua abordagem do personagem. Se no primeiro arco não ficou claro (quando ele ajuda a Gotham Girl a superar suas perdas), King escancarou no segundo, denominado “Eu Sou Suicida”.

É claro que o título faz referência a participação especial de membros do Esquadrão Suicida, em especial Amanda Waller e Tigre de Bronze. Mas não é só isso: por meio de um retcon, Tom King insere a ideia de que Bruce Wayne tentou se matar logo após o assassinato de seus pais. E explora isso com maestria, ainda que você torça o nariz para a ideia. É desnecessário? Vale o debate. Contudo, sejamos honestos: ele soube fazer e ficou bem convincente dentro da proposta apresentada por ele, sendo crível como um retcon, não destoando do que foi estabelecido para o personagem. Talvez meio cedo (é o segundo arco e começa na edição 9, numa revista quinzenal), mas o autor vai sedimentando isso ao longo de sua passagem, explorando outras facetas da psique do Homem Morcego.

Sabemos dessa tentativa graças a uma carta que Wayne escreve a outra protagonista dessa fase: Selina Kyle, a Mulher-Gato. Se a revista se chamasse Batman & Mulher-Gato seria completamente plausível. Até mesmo nas edições onde não se faz presente de forma física, a presença de Selina Kyle é sentida na história. E Tom King não demora a construir o seu grande plot: o casamento de Selina e Bruce. O pedido acontece na décima quinta edição e daí para frente, de uma forma ou de outra, a história vai seguindo essa ideia de que ambos vão se casar. Os arcos se alternam eu sua premissa e personagens, mas o casamento sempre se faz presente. Afinal, não é pouca coisa: Batman fará oitenta anos em 2019. É um desencalhe histórico do mais convicto dos solteiros da DC Comics.

O ápice da sua passagem pelo Batman aconteceu na quinquagésima edição, especialíssima, em tamanho gigante e com um sem-número de artistas convidados. King fecha esse longuíssimo arco do casamento e já deixa pistas do que virá a seguir. Mais cinquenta edições? Ele ficará 100 números? Ainda é cedo para falar; mas adianto que o arco iniciado em Batman #51 já é um dos melhores até o momento.

Nem tudo são flores

Não peguei o buquê, por isso vou reclamar da festa. Em minha opinião, o badalado (por fãs e imprensa) Tom King ainda precisa se mostrar um pouco mais. Sua carreira ainda é muito instável. Grayson é muito bom, mas está longe de ser considerado um clássico, daqueles que você pedirá o encadernado no futuro. Omega Men tem seus fãs, mas eu achei extremamente maçante (são 12 edições). Ambos saíram ao longo dos Novos 52. O grande trabalho dele, até o momento, continua sendo O Visão, outra minissérie em 12 partes, só que publicada pela Marvel. Há conceitos divertidíssimos, diálogos afiados e uma ótima história sendo contada, com mistério, ciência, intrigas e boa dose de heroísmo (ouça o Pilha de Gibis que gravamos sobre as seis primeiras edições). Senhor Milagre (mais história uma em 12 partes) está perto do fim e divide opiniões.

No geral, suas histórias tem mais pontos positivos do que negativos. Tirando a maxissérie do Visão, os demais trabalhos oscilam bastante. É o caso do Batman: 52 edições quinzenais em dois anos é muita coisa e nem dá pra esperar que o cara mantenha o alto nível em um trabalho tão longo (o mais longevo de sua carreira até o momento). Dessa forma, seu Batman também oscila muito, com arcos sensacionais (“Eu Sou Bane”) com outros medonhos (“A Guerra de Piadas e Charadas”).

Quando King investe na ação, num feijão com arroz muito bem temperado, ele se sai muito bem. “A Guerra de Piadas e Charadas”, além de muito longo (8 partes), mostra um poder desmedido de três vilões clássicos: Coringa, Charada e Hera Venenosa. Nos dois últimos, em especial, sequer faz sentido e foge muito de toda construção dos personagens ao longo de décadas de cronologia. A Hera Venenosa, por exemplo, em uma história de três partes, chega ao cúmulo de dominar todo o planeta (incluindo a Liga da Justiça), com as pessoas vivendo sob seu controle mental (exceto, claro, Batman e Mulher-Gato).

Esses plots espalhafatosos terminam por me afastar um pouco do hype que sua passagem construiu até o presente momento (do início do Renascimento até aqui, somente Tom King, Dan Abnett (Aquaman) e Joshua Williamson (The Flash) permanecem em seus títulos). Capacidade para alçar voos mais altos, ele já demonstrou que possui. Tem ótimas ideias, escreve excelentes diálogos e já demonstrou conhecer a fundo o Batman, respeitando suas características clássicas e outras criadas mais “recentemente”. E não só isso: parece estar se divertindo muito com esse trabalho e, em alguns momentos, igualmente nos diverte (ele tem uma ótima veia para o humor e, para mim, essa termina sendo uma de suas maiores contribuições à mitologia do personagem). Só precisa dosar melhor alguns vícios, afinal, trata-se de um título quinzenal, que nem sempre abre muito espaço para maiores ousadias. Não precisa criar dois clássicos em capa dura por mês.


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