O legado Mar-Vell (Parte 1)

Um clichê, projetado para aproveitar uma oportunidade, que logo se torna um caso de transtorno de personalidade editorial, para brilhar brevemente e ter uma morte melancólica, criando um legado surpreendente. Resumindo, a esquizofrênica história do Capitão Marvel e seus sucessores.

O que, você pensou que essa matéria seria sobre a Capitã Marvel? A heroína mais poderosa do universo cinematográfico da Marvel? A mulher que todos estão louvando e celebrando pelo filme que nem estreou? A personagem que nem mesmo apareceu nos outros filmes, mas você já ama, porque, né, ela é ELA? Calma. Também vamos falar nela. Mas pra entender Carol Danvers, conheça o legado do qual ela faz parte.

Em 1968, a Marvel já havia revolucionado tanto a sua própria existência quanto o panorama da indústria dos quadrinhos. Uma característica essencial em seus personagens fez com que os leitores fossem conquistados de forma irresistível… Eles eram falhos. Praticamente todos haviam cometido algum erro ou pecado, seja construindo armas, sendo arrogantes, omissos ou impulsivos, mas cada um tentava se reerguer através do heroísmo altruísta. Claro que existiam personagens fora dessa “fórmula”, o mais emblemático sendo o herói patriótico milagrosamente revivido e recrutado pelos Vingadores, sem culpas ou falhas, exceto a que ele mesmo se autoimpôs, ter sobrevivido enquanto seu parceiro aparentemente não. Steve Rogers, o Capitão América, um herói Marvel sem dilema. Mas logo surgiria outro capitão, também fora do modelo de sucesso estabelecido por Stan Lee, Jack Kirby, Steve Ditko e outros.

As primeiras histórias do Capitão Marvel trouxeram uma trama central bem aceita e direcionada na medida para o público norte-americano. O estrangeiro a serviço de uma potência hostil que, eventualmente, se afeiçoa pelas virtudes da humanidade, convenientemente, a parcela da humanidade residente nos EUA. Um clichê da ficção científica e, principalmente, do imaginário popular nos tempos da Guerra Fria. Era uma autoindulgência narrar um conto onde um agente potencialmente inimigo mudava de lado e passava a proteger o norte-americano contra ameaças, ainda mais contra seus agora ex-aliados. A missão de investigar a capacidade tecnológica e de desenvolvimento da raça humana, em razão dos sucessivos contatos entre super seres da Terra com representantes krees, era a desculpa para impulsionar a trama.

Mas não era apenas isso que mostravam no começo da série. Mar-Vell, nome do soldado do império intergaláctico Kree, tinha seus problemas em casa. A expedição da qual fazia parte era liderada por um rival, Yon Rogg, interessado em se livrar do coitado para ter o caminho livre nas suas investidas amorosas direcionadas à oficial médica da equipe, Dra. Una, namorada de Mar Vell. E aí estava armada a confusão para o bom capitão.

Nas primeiras edições, ele assume uma identidade humana, Philip Lawson, em uma curiosa inversão da origem do Lanterna Verde Hal Jordan. Aqui, o alienígena é quem presencia a morte de um terráqueo e assume seu nome para se infiltrar entre a raça humana em uma base espacial dos EUA. Nessa infiltração, ele faz amizade com a chefe de segurança da base, a coronel Carol Danvers. Uma coadjuvante que, ironicamente, viria a se tornar mais relevante que o protagonista, décadas depois. Mar Vell enfrenta outro problema que adiciona tensão à história: o limite de tempo respirando a atmosfera terrestre, prejudicial ao seu metabolismo. E, assim como Thor nessa época, limitado a meros minutos sem tocar o martelo Mjolnir, o kree corre perigo se ficar muito tempo sem acesso ao seu kit de sobrevivência. Ah, sim, nesses primeiros dias na Terra, ele não tem superpoderes; ao invés disso é cheio dos gadgets miraculosos. Armas e dispositivos dos mais variados e bizarros.

As histórias não eram ruins, tinham lá seu charme e mantinham a atenção para o desenrolar da trama. Porém, manter uma mensal não é para todos os personagens, histórias ou roteiristas. E logo o Capitão Mar-Vell enfrentaria seu primeiro inimigo de peso, o tudo ou nada editorial.

Adiantando a prosa, basta dizer que logo, logo, a série se desgasta e perde o rumo. Una morre. A expedição se desfaz. Yon Rogg se torna uma caricatura ainda maior de vilão gargalhante. Enfim, editorial e roteirista não parecem saber o que estão fazendo. Bom, era final dos anos 1960… E o que seria mais adequado do que aloprar geral e tornar tudo cósmico e psicodélico? Mas a trip se tornou bad logo no começo desse recomeço.

Assim, DO NADA, Mar-Vell é abduzido (!!) por uma entidade metafísica chamado Zo, que lhe confere poderes e o manda de volta à Terra e logo isso tudo também não interessa mais pois inventam que, na verdade, é tudo uma cilada, Bino, e o pobre Mar-Vell está sendo enganado e aí ninguém entende mais nada e já viu, né? O cancelamento se aproxima.

Em suma, foram de uma trama a outra, sem muita lógica ou coerência, apenas no vai que cola. A Marvel não tratou muito bem aquele que poderia ser o seu personagem-símbolo por excelência de codinome. Mas, se a roupa não faz o monge, talvez faça o herói, então tome-lhe uniforme novo. Azul e vermelho, uma estrela no peito, vamos apelar pro básico e torcer para os fãs do Homem-Aranha inconscientemente gostarem da semelhança no padrão e darem uma chance pro Mar-Vell.Não funcionou.

Então, o negócio é forçar a barra MESMO. Tipo, o nome é Capitão Mar-Vell? Vamos cutucar a onça com vara curta e apelar pra uma boa e velha transformação quase igual à de um certo garoto de Fawcett City e sua contraparte adulta.

Mas isso é assunto para a segunda parte dessa nossa história da… FAMÍLIA MAR VELL! (Desculpe, não teve como evitar!)


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