Às Supermães

Um belo dia, há 20 anos, sei lá por quê, minha mãe pegou meu exemplar de X-Men #96 (Editora Abril). Na revista, o Professor Xavier expiava a culpa por ter apagado a mente de Magneto, quando este arrancou o adamantium dos ossos de Wolverine, através de intensas discussões filosóficas com uma projeção mental do amigo/inimigo. Ao mesmo tempo, Charles tentava, também, lavar a roupa suja com Amelia Voight, um antigo amor do passado que havia entrado para o time dos Acólitos de Magneto.

“Essa revista é boa. Por que eles brigaram?”

Seguiu-se uma tentativa minha de resumir a história até ali. Não era fácil explicar certas coisas. Acho que ela carecia de níveis adequados de suspensão da descrença, fundamental à leitura de quadrinhos de super-heróis. O que era surpreendente naquilo tudo, porém, era escutar algo diferente do costumeiro “eta, revista véa ruim!” (geralmente, proferido sem que ela tivesse lido uma página sequer).

Aquela não foi a única revista de que ela gostou. Foram poucas, entretanto. Minha mãe lê muito desde sempre, mas não “garrou amor” pelos meus gibis DC ou Marvel. A estes, o epíteto geralmente reservado era “dinheiro jogado fora”. Tudo bem. Ela não gostava, mas, pelo menos, não me proibia (isto é, quando ainda podia ter decidido isso por mim).

Quando somos crianças, tendemos a enxergar pai e mãe como nossos heróis (e precisamos pedir dinheiro a eles pra comprar gibis). Conforme crescemos, certas “máscaras” vão caindo, e sua natural e inevitável falibilidade começa a ficar mais aparente. Os famosos “pés de barro” dos ídolos imperfeitos.

Inicialmente, é bastante desapontador. Meus heróis, puxa vida, estão me decepcionando! Isso costuma vir acompanhado das nossas primeiras noções genuínas de perdão – porque perdoar um amigo ou qualquer outra pessoa com quem você só interage se quiser, é fácil: o verdadeiro teste é perdoar alguém com quem você senta pra almoçar todos os dias e entender que existe algo entre vocês que se sobrepõe e resiste a cada revelação desagradável ou conflito de vontades.

O fato é que conhecer as falhas e limitações de minha mãe me ajudou a amá-la mais – ou, pelo menos, amá-la melhor. Você não pode dizer que ama uma pessoa até aceitar que ela tem defeitos – e amá-la apesar deles. É por isso que não posso ser menos resiliente do que ela sempre foi, nas inúmeras vezes em que aguentou e perdoou minhas imperfeições. Não posso deixá-la cair. Não vou deixar. A gente vai sempre voar junto, mãe. (Ei, isso soa muito super!)

A equipe do Arte Final deseja a todos um feliz Dia das Mães!

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2 comentários sobre “Às Supermães

  1. Minha mãe é uma leitora inveterada. Sempre com um livro na mão, mesmo sabendo que ela não vai ter oportunidade de ler naquele período. Foi dela (e de meu pai também), que veio o gosto pela leitura. Lembro de quando ainda não sabia ler e ela me deitava em seu colo e lia pra mim as revistas da Turma da Mônica (que ela não gostava tanto. Preferia Disney). Quando comecei a me alfabetizar, ela já pedia que eu lesse sozinho, para treinar. Sou muito grato a ela por sempre ter me incentivado nesse vício que é a leitura!

  2. Eventualmente, acho que todos nós já passamos por algo parecido. Comigo foi com Novos Titãs #96 – pode acreditar, a mesma numeração da sua X-Men -, mais precisamente naquele princípio da saga Caos Total com o Slade sendo caçado pela Liga da Justiça e os Titãs passando maus bocados com a Tropa Titã e o rebento de Donna Troy, o Lorde Caos. Até então, minha mãe nunca havia se intrometido naquele hobby oneroso, mas uma infecção bacteriana na garganta a fez interromper suas férias na capital para passar uma semana comigo internado no hospital. O desconforto de não conseguir engolir nada obrigou a me alimentarem e medicarem via soro, mas não era pior do que saber que tinha quadrinho novo na banca e não podia ir lá comprar. O orgulho também não me deixava pedir que ela o fizesse, o que, para minha surpresa, por espontânea vontade, logo nos primeiros dias da internação, ela própria me pediu para que eu fizesse uma lista das revistas que precisava. Olhando em retrospectiva, parece bobo, mas lembrar desse gesto voluntário, sem qualquer julgamento da parte dela, me trazendo a referida Novos Titãs #96 é uma recordação que guardo com bastante carinho. Aliás, vale dizer que, até hoje, ela nunca fez qualquer julgamento nesse sentido, inclusive, incentivou nas minhas pesquisas acadêmicas sobre quadrinhos. É isso, “te amo, mainha”. A culpa desse site/podcast também é sua. Conviva com isso.

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