Devemos perdoar James Gunn?

A demissão de James Gunn do posto de diretor de Guardiões da Galáxia Vol. 3 pegou o mundo de surpresa, após grupos de extrema direita nos EUA “desenterrarem” antigos tweets seus, com teor altamente ofensivo, em retaliação por outros em que ele criticava a administração de Donald Trump.

Gunn não se esquivou da autoria dos tweets e aceitou o peso das consequências, dizendo apenas que não pensa mais daquela maneira e não diria tais coisas hoje em dia. Dez dias depois, o elenco publicou uma nota oficial de apoio, na qual todos os principais nomes do elenco manifestam seu desejo de que Gunn seja restituído como diretor de Guardiões da Galáxia 3.

Podemos perdoar James Gunn? Será que devemos?

Há que se considerar que é um caso completamente diferente do produtor Harvey Weinstein ou do ator Kevin Spacey, para ficar apenas nos exemplos mais notórios de carreiras encerradas (até então, pelo menos) por denúncias de assédio e abuso sexual. James Gunn, até onde se sabe, não molestou ninguém, moral ou sexualmente. Por outro lado, essas práticas são insinuadas nos tweets que levaram à sua demissão. Entre outras coisas cabeludas, Gunn disse:

“Rir é o melhor remédio. é por isso que eu rio de pessoas com AIDS”.

“Acabei de fazer uma piada sobre sodomizar a minha amiga quando ela estava dormindo”.

“Queria caçar animais de grande porte, mas sei que isso é moralmente questionável. Então estou indo atrás de caçar alguém para estuprar”.

Ele pode parecer aquele seu amigo ou parente adolescente, que diz coisas horríveis somente para chamar atenção, mas, quando escreveu essas coisas, Gunn já tinha 46 anos. Provavelmente, já estava (ou logo seria) contratado para o primeiro filme dos Guardiões, mas isso não o deteve – nem à Marvel/Disney, apesar de ter sido questionada, na época, justamente por conta destas declarações. Porém, quem era James Gunn antes de Guardiões da Galáxia? No grande esquema universal das coisas, ninguém. Então, o estúdio preferiu fingir-se de surdo e bancar a aposta, coisa que, agora, de maneira flagrantemente hipócrita, se nega a fazer.

Vivemos tempos em que reputações são construídas ou destruídas da noite para o dia. Uma palavra descuidada e você está exposto ao julgamento nas redes sociais, em que há muito mais gente interessada em beber seu sangue do que em discutir seus argumentos. O meio-termo, a ponderação, o equilíbrio, são artigos em franco desuso. Debater, e não apenas rebater, toma tempo e dá trabalho – um tempo de que as pessoas não querem dispor e um trabalho que não querem ter.

Acima, a carta de apoio assinada pelo elenco de Guardiões da Galáxia

De verdade, James Gunn deve ser um cara legal. É difícil imaginar que um cara ruim seja capaz de emanar uma energia tão bacana quanto aquela sentida nos filmes dos Guardiões. A defesa apaixonada de sua permanência por parte do elenco diz muito sobre o tipo de pessoa que ele deve ser, hoje em dia. Eles estão defendendo um amigo querido, o que é perfeitamente compreensível.

Todavia, ele é uma pessoa pública. Quando se é famoso, tudo que se faz ou diz ganha dimensões muito maiores. Ainda que fosse um anônimo, Gunn não poderia ter dito as coisas que disse, simplesmente porque é errado. Já vai longe o tempo em que se tolerava o pensamento politicamente incorreto, porque descobriu-se o óbvio: ele fere a dignidade humana. “Ah, o mundo está chato, ninguém mais pode fazer humor!”. Pode, sim, amiguinho. O que não pode é ofender o coleguinha porque ele é diferente ou mais vulnerável. Se seus humoristas favoritos apelam para sexismo, racismo e outros -ismos como fonte de humor, você precisa de humoristas melhores.

A questão à nossa frente é: vamos aceitar que James Gunn errou, arrependeu-se e tornou-se uma pessoa melhor, dando a ele uma nova chance? É possível, mas o precedente aberto é perigoso, e o risco de que muita sujeira seja ignorada por “arrependimentos de conveniência” é alto.

No fim das contas, é tudo uma questão de escolha. Em 2012, Gunn escolheu ser “engraçado”, “irreverente”, “causar”. Agora, precisamos escolher entre o perdão a alguém que se diz arrependido e a necessidade de fazer alguém de exemplo para evitar deslizes futuros. Seja qual for nossa escolha, haverá consequências. Não há como sairmos dessa de mãos limpas.

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