OPINIÃO – Panini: a que ponto Levi nos leva

Durante a Comic Con RS 2019, que aconteceu no fim de semana de 3 e 4 de agosto, Levi Trindade, editor líder da Panini, concedeu entrevista exclusiva ao site Os Jamesons e tocou em alguns pontos que merecem uma reflexão atenta. Leiam a entrevista, muito bem conduzida pelo pessoal d’Os Jamesons, no link acima, e volte para discutirmos sobre alguns problemas nas falas do sr. editor.

ASSUMIR A RESPONSABILIDADE

“Mesmo quando o erro não foi meu, eu já assumi por outras pessoas, pois, tecnicamente, eu estou à frente de tudo. Eu assumo a culpa de coisas que eu nem faço ideia de que estão rolando.”

 

Peço ajuda aos amigos leitores para lembrar quando foi que o Levi assumiu pessoalmente a culpa por qualquer erro. Porque assim, de cabeça, me vêm apenas episódios em que ele culpou o distribuidor, a Amazon, as comic shops, as bancas, Roberto Carlos e as baleias. Basta lembrar do Curioso Caso do Senhor dos Milagres, no qual quase todos acima levaram a culpa: de acordo com o Levi, “houve uma rejeição do mercado” ao título mais hypado, falado, premiado, baixado ilegalmente comprado no Comixology. Ué?

Não à toa, Levi foi imediatamente desmentido pelo seu maior comprador, a Amazon.

O caso do “em chamas” da O Espetacular Homem-Aranha – Edição Definitiva vol. 1, mencionado nessa entrevista, inclusive, apenas “aconteceu, o nosso designer não sabe explicar como aquilo aconteceu, a pessoa não mexeu naquele balão e aquela página, aquele texto, não embedou e não subiu. Só que como não era algo de construção de balão, quando a pessoa conferiu a página, ela não desceu a página para ver o que aconteceu lá em baixo. Ela olhou lá em cima e disse, ‘Tá ok’. Só que ela não percebeu que o balão sumiu”.

Mas, ninguém aprova uma boneca da edição? Não vem da gráfica uma versão física da edição pra ser submetida a uma última conferência? É até plausível que o custo disso não justifique o procedimento pra todas as mensais da casa, mas numa edição que não é barata, de luxo, como essa?

Na verdade, se formos parar pra pensar a postura dele foi, por muito tempo, a de relativizar as falhas: “não são erros grotescos”, “vida que segue”, “não atrapalha a leitura”…

O FESTIVAL DE ERROS E A COMUNICAÇÃO INEXISTENTE

“Às vezes, não tem valor nenhum ficar em um grupo se matando e se batendo, tem que transmitir para a gente.”

 

Na verdade, NUNCA há valor algum em ficar brigando na internet, sejamos sinceros. Não dá pra passar a mão na cabeça de quem parte direto pra agressão e ofensas pessoais; e, também, não dá pra cair nesse papo de que a galera prefere reclamar ao vento do que à editora: é que a Panini simplesmente não respondeu NADA por muito e muito tempo. Tivemos alguns ciclos curtos de tentativas da Panini de interagir com os leitores no Facebook, em iniciativas tímidas e um tanto desencontradas: quem não lembra do social media deles mandando o leitor se virar pra conseguir um mapa do Multiverso legível?

Oh, eu sei, tem três anos isso. Mas, o quanto a situação mudou? Após o 2017 silencioso, o único post em resposta às reclamações na página foi em fevereiro/18, no vídeo sobre o aumento absurdo e repentino dos preços, com promessa de “manter e melhorar a qualidade das revistas” – e cá estamos em 2019 com os mesmos problemas.

Estamos no meio de um novo ciclo de interação da Panini com os leitores no Facebook (agora vai?), com algumas respostas sendo efetivamente dadas e várias contradições às falas do próprio Levi, como o recente caso de Lendas do Universo DC – Novos Titãs, prometida pelo Levi em 12 edições, mas, de acordo com a página deles no Facebook, teremos um volume a menos, deixando a fase incompleta:

Caro leitor, vista sua roupa de sapo e dê seus pulos.

Há uma tentativa de comunicação bem recente, também, no Instagram da editora, mas os mesmos problemas ocorrem, tipo a assessoria deles não saber que a Liga da Justiça Internacional que o leitor cobrou é o mesmo material que Liga da Justiça por Keith Giffen e J. M. DeMatteis, com os dois primeiros volumes prometidos para abril e maio (e, até agora, agosto, sem sinal):

E por que a assessoria não sabe? Porque não foi informada, “briefada”, alimentada com a informação.

“O que é comentado nas nossas redes sociais é compilado, tem uma agência que cuida disso pra nós, a gente faz uma reunião semanal para ver os assuntos mais comentados. E a gente vai dando respostas, um feedback pro leitor”

 

Bom, acho que os exemplos acima falam por mim para desbaratar essa percepção singular das coisas do sr. Editor Líder. Sem falar da peculiar criação de um novo perfil no Twitter só para responder o Neil Gaiman pelo péssimo trabalho na edição de 30 anos de Sandman. Enquanto isso, as demais contas da editora no Twitter (@PaniniHerois, @blogwizmania, @Panini_Vertigo, @planet_manga) estão abandonadas desde 2014, com posts esparsos depois disso em alguns casos.

 

E a situação é ainda pior nos mangás. Até recentemente, só se tinha notícias deles pelo Facebook pessoal da Beth Kodama, editora da área. Hoje, nem isso mais.

O que é preciso ter em mente é que o Levi tá correto quando fala de ofensas pessoais e de truculência, mas ele esquece que isso não veio do nada, há uma origem e uma razão para a impaciência e revolta dos leitores: a Panini abusou da confiança e da paciência dos consumidores – e é importante termos essa noção, a de que não há “fãs” ou “leitores” quando se reclama qualidade, há consumidores exercendo seu direito de  exigir qualidade do produto – alguns passando bastante do ponto, infelizmente.

 

A PÁGINA “TODO DIA UM ERRO NOS QUADRINHOS DIFERENTE”

“…posso dizer que, aparentemente, estamos conseguindo manter a meta de não ter erros e desaparecer da ‘maldita’ página “Todo dia um erro nos quadrinhos diferente“. 

“O ideal é que as pessoas reportem os erros para a gente, mas com respeito. Tem um problema? Relate, pois tudo isso serve como melhoria. Como a gente vai melhorar serviço de atendimento, serviço de assinatura e distribuição se as pessoas não chegam e comunicam?”

 

Pois é, Levi, como fica quando a editora não ouve o leitor? Páginas como a Todo Dia Um Erro… e outras como a Campanha: + formato econômico com revisão decente na Panini surgiram justamente da falta de resposta e de mudanças da Panini.

Conversei com o administrador da página sobre a repercussão de sua iniciativa junto à própria editora, e ele me disse que “a ideia da página foi de unificar os erros (de tradução, revisão e gráficos), que estavam dispersos pelos grupos, num lugar só. Um protesto silencioso que repercutiu”. Esse é o consumidor que a Panini mais devia valorizar: o cara que não quer comprar, vê os erros e vai embora, não gasta seu dinheiro naquilo mês que vem. O consumidor que reclama quer continuar comprando, mas ele precisa ser ouvido, senão vai embora também.

Não vou linkar os erros recentes da Panini que apareceram na página, mas convido vocês a dar uma olhada lá nos erros recentes deles apontados por leitores. E a maioria absoluta deles está em revistas da DC, como os erros recentes na mensal do Batman (a “temperatuda” do Sr. Frio em Batman #27 e o capítulo com número errado na #28), ou o “mundando” na mensal da Liga da Justiça #5, e o que dizer dos mil e um erros de Lendas do Universo DC – Novos Titãs?

Além do quê, diminuir o número de erros não é mérito algum, é obrigação – sobretudo quando se cobra preço premium pelo produto. A expectativa é de qualidade.

 

PERSONAGENS FEMININAS E VENDAS

Um trecho muito interessante da entrevista é aquele em que o Levi fala sobre a queda de vendas sempre que colocava personagens femininas nas capas – em específico, falando do título Aranhaverso:

 

“Por exemplo, a gente usava a Jessica Drew, a Mulher-Aranha, ou a Gwen-Aranha nas capas de Aranhaverso e essas edições tinham o pior resultado de vendas no título. A gente perdia em média de 600 a 700 leitores. A gente botava uma capa do Homem-Aranha 2099 ou uma genérica do Homem-Aranha tradicional e a revista voltava a vender 600/700 edições a mais.

Então, chegou um momento em que me procuraram imediatamente e falaram ‘cara, nunca mais usa essas personagens nas capas. Nós fizemos um estudo acompanhando as vendas, ficamos preocupados com alguns números e fomos atrás das capas. Chegamos nas capas e vimos que eram todas as que tinham mulheres. Nunca mais faça isso‘.

Eu falei ‘pô, mas são personagens importantes e que se a gente não divulgar elas, nunca vão ficar conhecidas.’ e responderam ‘pois é, mas cada vez que você coloca elas a gente perde quase mil leitores’.

É um impacto financeiro forte. Aí a gente acabou cancelando a revista do Aranhaverso devido a algumas “pisadas na bola” que foi colocar mulher na capa, prejudicando o título.”

 

É verdade que o ponto central aqui é essa conta da perda de vendas nessa situação, mas me permitam destacar previamente duas coisas:

  1. finalmente apareceram alguns números, depois de anos da editora dizendo que não tem essas informações – e até do próprio Levi contando que “encontraram” um estoque de revistas devolvidas lá na sede deles;
  2. chegamos ao ponto que uma variação de 600 a 700 leitores é suficiente para cancelar uma revista? E mesmo com o problema resolvido após 3 ocorrências e o Levi ser “procurado imediatamente”?  Então não faz sentido vender quadrinhos no país mais.

Quanto à oscilação dessas vendas, não se pode fechar os olhos pra existência de uma parcela do público descontente com a política de acentuada diversidade e empoderamento até há pouco tempo vigente na Marvel – tanto nos EUA quanto aqui –, parcela esta incapaz de apreciar boas histórias se o seu gibi não for protagonizado por brancos musculosos de olhos azuis – e sentimento agravado pela agressividade da política da editora gringa.

Por outro lado, salta aos olhos a incapacidade que a Panini teve nos últimos anos de cativar o seu público. A editora surfou na onda da expansão do mercado consumidor – alimentada pelo sucesso dos filmes Marvel, sobretudo – e deixou de se comunicar com o público, já que parecia que os seus produtos se venderiam por si sós. Excelentes iniciativas da editora, como o mailing semanal Direto da Redação foi se tornando quinzenal, mensal, bimestral e, de repente, parou de chegar nas nossas caixas de e-mail. O blog Wizmania e seus hotsites foram abandonados, à exceção da página de Hellblazer – notadamente, um projeto pessoal de algum funcionário apaixonado.

Prova disso é o próprio projeto gráfico da série Aranhaverso: edições realmente muito bonitas, com preservação de artes originais na quarta capa e lombadinha tchaptchura pronta pra formar um desenho mas… sem qualquer indicação do material veiculado na edição. Abaixo foto das minhas três primeiras edições do título, frente e verso:

Vejam bem: o gibi chegava em banca lacrado, sem qualquer indicação do seu conteúdo, custando entre R$ 18,50 (1ª edição, 2015) e R$ 25,90 (última edição, 2018), um valor um tanto salgado para o leitor ocasional “arriscar” pegar um título novo com personagens desconhecidos na capa, independente do sexo/etnia deste.

E onde buscar a informação do conteúdo daquela revista? Nas redes sociais da editora, que na época não viam qualquer atualização? Fora o leitor assíduo do título, ou a capa chamava a atenção do leitor ocasional com personagens e conceitos já estabelecidos, ou a oscilação nas vendas daquele público incerto era mais do que esperada… Ou não pensaram nisso? Onde estavam/estão as estratégias de divulgação dos novos personagens?

…mas aí é preciso lembrar que essa história veio da mesma boca que nos contou a fábula do “Senhor dos Milagres”. Afinal, uma breve consulta ao utilíssimo Guia dos Quadrinhos nos revela que a última capa exclusivamente com personagem/personagens feminina(s) foi a nº 6. A revista durou mais 20 números até o cancelamento. Ué?

E, afinal, se personagens femininas na capa não vendem, por que colocar dois volumes de Morte da Thor a quase proibitivos R$ 39,90? Em contraste, a nova série do Thor, o original, está pra chegar nas bancas no mesmo formato por… R$ 24,90. Gwen-Aranha ganhou seu segundo encadernado – e se ganhou o segundo, é porque o primeiro vendeu bem.

Mais surpreendente ainda, a personagem feminina alvo do mais intenso hate da galera é a que tem se mostrado mais rentável, ganhando edições capa dura impulsionadas pelo filme, um encadernado com capa cartão com a mini A Vida da Capitã Marvel, e agora a sua nova mensal chegará aqui em volumes também com capa cartão.

ERROS E RELANÇAMENTOS

“Os fãs falam ‘vocês estão ligados que ela [Garota Esquilo] é muito bem avaliada pela crítica e tem boas vendas?‘. Mas daí a gente vai lá na Diamond e não tem boas vendas não. Então falam ‘mas pega o número de venda dos encadernados americanos, é um número bom‘. Ah, mas se a gente lançar aqui, você garante que vai vender aqui? Vai ter público? Daí eu não consigo respaldo dessa parte. Eu sempre tento, mas, às vezes, eu sou obrigado a dar o braço a torcer.”

 

Como assim, “você garante?”, senhor editor??? Essa parte é sintomática, e talvez explique toda a (falta de) política de lançamentos da Panini: eles se balizam apenas pelas vendas do mercado americano.

Não há uma divulgação dos novos materiais porque a editora pressupõe que o leitor já os conhece, acompanha o mercado gringo. O trabalho de fazer o título ser interessante é da editora, de sua publicidade. A Panini não deveria se ater só aos números do mercado americano e “aplicar a fórmula” ao mercado nacional. Não existe sequer uma mínima coordenação com os digital influencers para que façam esse trabalho em troca dos “mimos” tão sonhados.

Se o leitor não sabe quem é a Jessica Drew, a Gwen-Aranha ou a Garota Esquilo, não é colocar elas na capa de uma revista lacrada que vai resolver. Divulgue. Você tem uma ferramenta barata e de amplo alcance nas redes sociais.

“NÃO ACHO QUE PRECISA SER CAPA DURA…”

“…pode ser capa cartão que cumpre bem a função.”

É ISSO, CARA, É ISSO. ALELUIA, ELE VIU A LUZ!!!

Nem tudo precisa ser capa dura, formato maior, lombada desalinhada cheia de frufru. Na verdade, QUASE NADA precisa desse tratamento. Deus criou as histórias em quadrinhos pra elas saírem em encadernadinhos com capa cartão bonitinha! Oremos.

A Panini deu uma bola dentro incrível com o formato de publicação adotado desde o Demolidor do Waid, o Cavaleiro da Lua do Bendis e o Justiceiro do Edmonson. Eu, particularmente, não comprava mensais há uma década, mas ver bons arcos completos numa edição mais em conta, mais prática de guardar e catalogar me motivou a acompanhar essas séries. Capa dura é lindo, mas, em excesso, só serve pra encher a prateleira (já calculou quanto espaço apenas as capas da Salvat ocupam na sua estante?) de papelão e não de histórias.

 

EM SUMA…

…não é pra ficar atacando ninguém nem chamando o amiguinho de mentiroso, mas o amiguinho também precisa ver melhor os argumentos que usa, se são condizentes com a realidade e com a própria práxis da empresa. Não dá pra culpar o mercado, os leitores, a Amazon e, depois, dizer que assume responsabilidades.

Louvável a atitude do editor de se abrir para a conversa com os leitores, mas não dá pra se valer do “poder do microfone” e falar tudo que quer sem um pé na realidade. Em uma hora, consegui encontrar na internet todas as referências das contradições na fala dele que apontei aqui. Se as decisões lá dentro são mesmo tomadas como ele nos conta, sem muita congruência, Odin nos ajude.

A Panini criou uma bolha no mercado e ela já esteve bem próxima de estourar. Se a empresa e seus profissionais continuarem forçando os limites, sorteando culpados e minimizando erros, a boa vontade até mesmo dos mais ferrenhos paninetes há de fraquejar em breve.

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