O bom e velho Charlie Brown

 

Peanuts foi uma tira criada pelo cartunista norte-americano Charles M. Schultz e publicada ininterruptamente entre 2 de outubro de 1950 e 12 de fevereiro de 2000, dia da morte do quadrinista (ele nasceu em 26 de novembro de 1922). No começo, Charlie Brown não era o protagonista, muito menos seu beagle de estimação. Era um garotinho chamado Shermy, que, logo depois, acabou perdendo a relevância.

A Turma do Charlie Brown (ou Turma do Minduim, como ficou conhecida no Brasil) estourou realmente quando virou desenho animado, com o curta-metragem O Natal do Charlie Brown (A Charlie Brown Christmas, produzido por Lee Mendelson e dirigido por Bill Meléndez). Foi um sucesso instantâneo. Depois disso, houve mais 5 longas, 3 shows de TV, videogames e muitas outras coisas em merchandising.

O filme mais recente, de 2015 (The Peanuts Movie), teve uma arrecadação de mais de US$ 125 milhões só nos EUA. Craig Schultz, filho de Charles, atuou como produtor e roteirista, o que garantiu que o filme mantivesse o espírito da tirinha de jornal publicada por quase 50 anos, apesar de ter sido um filme feito em CGI.

A película tem um roteiro bem simples, mas manteve a sensibilidade que as tirinhas e os desenhos demonstram. A história conta a chegada de uma menina nova no bairro, a Garotinha Ruiva, e das tentativas do Minduim de chamar a atenção dela, mas, na hora H, algo sempre dá errado: ou ele amarela, ou acontece alguma coisa que não o deixa ir em frente. No momento mais emocionante do filme, o Charlie Brown, que vai ser condecorado, na frente de toda a escola por um resumo que não tinha sido ele que havia feito e finalmente chamará a atenção da menina, ele assume a não-autoria, voltando a ser o insignificante Charlie Brown, com quem ninguém se importa, mostrando, assim, o verdadeiro caráter do personagem e, por que não, do próprio Schultz. A trama paralela mostra o nível a que vai a imaginação do Snoopy, mostrando-o na pele do Ás da Primeira Guerra contra seu arqui-inimigo Barão Vermelho, para salvar a pele de sua amada Fifi, sempre com a ajuda de seu fiel escudeiro Woodstock.

Mas, o que faz essa ser uma tirinha tão importante? Como o Dão faz questão de ressaltar, em cada conversa que temos, ela não é uma tirinha extremamente engraçada, apesar de ter vários toques de humor. Ela se destaca por sua veia filosófica. Schultz usou muito da própria infância nas histórias. Era uma tirinha sobre as crises interiores do próprio quadrinista. Apesar de ter tido uma infância irrepreensível, ele era uma criança superprotegida, muito apegado aos pais.

Charlie, assim como Schultz, era uma criança bastante tímida e introspectiva. Ele havia pulado duas séries na escola, fazendo dele o aluno mais novo da turma na Central High School, em St. Paul, Minnesota, o que deve ter rendido muitos puxões de cueca e bastante tempo trancado no armário. O pai de Schultz era barbeiro, assim como o do personagem.

Aliás, vários personagens são batizados em homenagem a amigos e parentes do autor, como por exemplo Linus e Shermy, que eram Linus Maurer e Sherman Plepler, dois bons amigos; a Lucy foi inspirada na ex-mulher de Charles Schultz, Joyce; e Patty Pimentinha era baseada numa prima do autor, Patrícia Swanson, que era uma menina meio moleca, que gostava de jogar bola. Mas o exemplo mais marcante disso é a Garotinha Ruiva, que foi inspirada em Donna Mae Wold (que faleceu recentemente), uma mulher a quem Schultz pediu em casamento em 1950 e teve seu pedido negado. Uma outra característica em comum era que Charles Schultz gostava muito de esportes, assim como o Minduim, apesar de não ser tão ruim quanto ele. Schultz era maluco por hóquei no gelo. A arena do esporte na cidade dele foi rebatizada em 2001 como Charles M. Schultz Highland Arena, em homenagem ao cartunista. Em 2007 ele foi indicado postumamente ao Hall da Fama de Patinação Artística. Um dos momentos mais incríveis do desenho, inclusive, foi uma apresentação de patinação da Patty Pimentinha. Se não acredita em mim, veja o vídeo abaixo:

Schultz começou sua carreira artística em 1947, com uma tira formato cartum chamada Li’l Folks, para o jornal local, St. Paul Pioneer Press. Depois de escrever e desenhar a tira durante 2 anos, ele pediu que a tira fosse publicada num caderno de maior visibilidade, com periodicidade diária e um pagamento melhor. Quando teve seus três pedidos negados, desistiu de continuar publicando no jornal.

Dessa forma, começou a mandar material para as agências que distribuíam tiras pra todo o país. No primeiro semestre de 1950, recebeu uma carta da agência United Features Syndicate, que demonstrou interesse em Li’l Folks. No entanto, como eles estavam mais interessados em quadrinhos do que em cartuns, e assim Charles embarcou para Nova York com as primeiras versões do que viria a ser conhecido como Peanuts (nome que foi dado pela agência e, pasmem, Charles Schultz detestou até o último dia de sua vida). O resto é história.

Bom, mas você conhece/lembra dos personagens? Eles são:

Charlie Brown: o principal personagem da tira é um garoto azarado e amargurado. Apesar disso, nunca perde a esperança de um amanhã melhor e nunca desiste dos seus objetivos. É a personificação do próprio Schultz.

Snoopy: o beagle de estimação do Charlie Brown, e também o cachorro mais famoso do mundo, tanto é que no Brasil a tira e os desenhos são mais conhecidos por ele. Tem uma imaginação incrível e criou várias personalidades imaginárias, sendo a mais famosa o Ás da Primeira Guerra, sempre enfrentando o Barão Vermelho. Essa imaginação é visto em outros personagens famosos (Calvin, estou falando de você).

Linus: melhor amigo de Charlie Brown. Está sempre carregando um cobertor por onde anda, além de ser o único a acreditar na Grande Abóbora. Segundo o Linus, a Grande Abóbora é uma entidade que, na noite de Dia das Bruxas, surge da plantação de abóboras mais sincera (?!) e sai voando e distribuindo presentes para as crianças que foram bem comportadas. Ninguém acredita no coitado, a não ser a Patty Pimentinha.

Lucy: irmã mais velha do Linus e considerada (por ela mesma) a maior implicante do mundo. Sempre questionadora e ranzinza, ela vive abusando do Charlie Brown (quem não lembra das inúmeras vezes que ela tira a bola de futebol da frente do garoto pra ele se estatelar no chão?).

Schroeder: o amor da Lucy. O garoto vive tocando seu piano de brinquedo e é o maior fã do Bethoveen.

Patty Pimentinha: uma menina esperta, fã de esportes, que chama o Charlie Brown de Minduim (Chuck, no original). Acha que o Snoopy é o garoto mais estranho que ela já conheceu.

Marcie: melhor amiga da Patty, a quem chama de Senhor ou Meu (Sir, no original) dependendo da tradução. Menina estudiosa e inteligente, que não tem muito talento para os esportes.

Chiqueirinho: garoto sujinho que levanta uma nuvem de poeira por onde passa. Lembra muito um certo menino do Bairro do Limoeiro.

Sally: irmã mais nova do Charlie Brown. Tem uma quedinha pelo Linus.

Woodstock: um passarinho que acompanha o Snoopy nas suas aventuras.

Tem também vários personagens secundários, como o Shermy (foi um dos primeiros personagens da tira), a Violet (primeira personagem feminina da tira,) a Garotinha Ruiva (personagem diferente da Violet aqui), o amor platônico do Charlie Brown, que nunca apareceu nas tiras, apenas nos desenhos animados, Frieda (que sempre ressaltava seus cabelos naturalmente cacheados), etc.

Peanuts mostra, através de situações cotidianas de um grupo de garotos qualquer do interior dos EUA (exceto pelo comportamento do Snoopy, que de cotidiano não tem nada), fatos sobre relacionamento, responsabilidade, filosofia e amizade. Através das reflexões do Charlie Brown e do Linus, Schultz nos faz refletir sobre a vida.

São tiras sensíveis, que nos mostram o valor da amizade. Sempre que leio uma das tiras, ela me faz pensar sobre o valor das pequenas coisas. O fato de como o Charlie Brown sempre se dar mal e como ele nunca desiste dos seus objetivos nos ensina muita coisa. Em quase 50 anos de histórias, o Minduim nunca conseguiu ganhar um jogo de baseball: ele era o técnico e arremessador do time e este só ganhava quando ele não podia jogar por algum motivo. E o mais impressionante: ele nunca conseguiu chutar a bola de futebol, mas ele nunca desistia e sempre tentava (e a Lucy sempre tirava a bola da frente dele).

Lendo a tira você pode tirar forças pra enfrentar os problemas do dia-a-dia. A força de vontade e o senso de amizade do Minduim são únicos. E os desenhos demonstram isso brilhantemente. Confesso que “suei pelo olhos” quando fui assistir o longa metragem.

A LP&M Editora vem lançando, desde 2009, a coleção Peanuts Completo, com todas as tiras já publicadas nos EUA em ordem de lançamento. Até agora foram lançados 8 volumes no Brasil, contemplando as tiras de 1950 a 1966. Normalmente, são lançados 2 volumes por ano. Nos EUA, o último livro da coleção (volume 26) foi lançado no final de novembro de 2016. Cada edição tem uma introdução escrita por uma personalidade diferente, como Whoopi Goldberg, Bill Melendez, Matt Groening, Walter Cronkite (lendário jornalista norte-americano), Alec Baldwin, e, na última edição lançada nos EUA, o volume 25, quem escreveu foi o presidente Barack Obama (!!!). Tanto as edições brasileiras como as americanas são fáceis de encontrar em lojas online.

 

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