E chegamos ao final de nossa jornada pela história dos heróis e heroínas do legado criado pelo Capitão Mar-Vell, embora esse final seja um prólogo para o filme da Capitã Marvel, portanto nada mais justo que dedicar esse encerramento à coronel Carol Danvers.
Carol estava sossegada no seu canto, ora agindo com o governo dos EUA através do Departamento de Defesa, ora atuando com os Vingadores, quando foi sacudida desse marasmo em meados de 2005. Uma mega-saga foi a oportunidade ideal pra tentar fazer dela algo mais. Durante os eventos de “House of M” (no Brasil, “Dinastia M”), os heróis receberam um presente da parte dos irmãos Wanda e Pietro Maximoff. Todos tiveram seu desejo mais profundo realizado, em uma alteração da realidade tão poderosa quanto… REAL, na falta de termo melhor, para eles. E Carol simplesmente ressurgiu nesse cenário como a mais importante heroína do mundo. Assim. Era isso que ela, o tempo todo, sempre quis ser.
Tudo voltou ao que era antes, eventualmente, mas a impressão ficou para quem vivenciou a coisa toda. Danvers refletiu e decidiu se empenhar em alcançar seu desejo, até então inconsciente. Primeiro, o roteirista Brian Michael Bendis a colocou como líder de campo da equipe mostrada em Poderosos Vingadores, após o outro evento bombástico da Marvel, “Guerra Civil” de Mark Millar. Um time formado por veteranos e alguns novatos, agindo de acordo com a Lei de Registro de Superpoderes. Autoridade, protagonismo, já foi um bom começo.
Veio uma nova mensal, escrita por Brian Reed. Olha a coisa melhorando.
Mas, até essa época, ela usava um traje, digamos, propenso às críticas de leitoras e de alguns leitores. Passou um tempo com um traje militarizado, enquanto Geoff Johns e Olivier Coipel estiveram à frente da mensal dos Vingadores antes da fase Bendis, mas no período de “Dinastia M” e “Guerra Civil” voltou a usar o maiô com um raio no meio e uma faixa na cintura, criado ainda nos anos 1970.
A mudança mesmo começaria a se acentuar exatamente aí, no visual. Foi somente em 2012 que Carol passou a usar um traje com as cores e o padrão geométrico semelhantes aos do segundo uniforme do finado Capitão Mar-Vell, com ligeiras diferenças, além de assumir o título de Capitã, em uma mensal escrita por Kelly Sue DeConnick. Adeus closes de retaguarda fafadinhos de Frank Cho, olá calças e capacete.
A temática daí em diante aseguiu uma proposta essencialmente feminista. As vendas não foram às alturas, mas uma fanbase fiel se juntou. De lá pra cá, tornou-se líder da nova versão da Tropa Alfa, assumiu a responsabilidade de comandar a primeira linha de defesa da Terra contra invasões aliens, teve destaque também na equipe Os Supremos, versão Universo Marvel 616, além de protagonizar “Guerra Civil II” como oponente de Tony Stark, o Homem de Ferro. Oportunidades e holofotes para a personagem que não foram por acaso ou por que alguém no editorial gosta muito dela.
Carol passou do status de super-heroína, apenas, para o de representante. Ela começou a corresponder a todo um movimento se expressando através das redes sociais, buscando justamente isso, representatividade. Uma personagem feminina bem resolvida, protagonizando e com metas de sucesso pessoal. Com isso abria-se o caminho para uma mídia em pleno processo de ocupação, como nunca antes, pelos super-heróis. E, ironicamente, com mais êxito, pelas adaptações da editora que uma década antes estava à beira da falência. A Marvel começava a conquistar os cinemas e, em seus planos, havia a necessidade de ter a super-heroína mais poderosa das telonas.
Tudo converge para o que se vê em 2018, meses antes da estreia do filme Capitã Marvel, anunciado para março de 2019.
Até onde se saiba, nunca houve um hype desse tipo. Nas redes sociais, as comemorações a cada novo anúncio, detalhe ou imagem oficial do filme da Capitã Marvel são surpreendentes e surreais. Estão saudando a chegada de uma personagem, de certa forma, desconhecida. A Marvel já tem, desde 2008, 20 filmes nos quais os personagens transitam formando um universo integrado. Em nenhum deles, Carol Danvers ou Capitã Marvel apareceu. A primeira menção ocorreu agora, em Vingadores – Guerra Infinita.
Então, como explicar a ansiedade de tantos fãs, de crianças, adolescentes e jovens que tratam a personagem como se a conhecessem?
A Marvel está oferecendo o que muitos querem. Simples assim. Carol Danvers é alguém apenas para quem leu suas aparições nos quadrinhos. Para quem nunca a viu, seu nome poderia ser Monica Rambeau. Ou Phyla Vell. Ou mesmo um nome criado exclusivamente para o filme. Não faria diferença. A Capitã Marvel, sim, extrapolou suas origens, deixou de ser parte de um legado nos cinemas (embora Mar-Vell esteja presente, através do ator Jude Law, mas apenas como um coadjuvante, tsc) tornando-se, para toda uma nova geração, uma personagem representativa, independente e simbólica, antes mesmo de sua estreia na telona.
As plateias desta geração (e das anteriores, por que não?) esperam e querem uma Capitã Marvel. A coronel Carol Danvers, bom, essa foi apenas uma personagem de sorte.