Super-heróis simbolizam as mais altas aspirações de conduta, são exemplos para a criançada, arquétipos do bem. Certo? Nem sempre. Depende da época. Da história. E do público, acima de tudo. Ah, o público… Leitores podem ser animais selvagens e de atenção volúvel. A indústria sabe muito bem disso. Editoras consagradas já estiveram no topo, nas profundezas e tudo isso mais de uma vez, ao longo de quase um século. Muitas não sobreviveram.
E justamente nesses momentos de corda-bamba, acontecem as cartadas desesperadas para tentar alcançar a atenção deles, os leitores. A Era de Prata surgiu de uma dessas jogadas. A Era de Ouro tinha sucumbido e, ao tentar reutilizar pelo menos os nomes de personagens desgastados, a DC Comics acertou em cheio quando criou novas versões do Flash, Lanterna Verde e outros, no final dos anos 1950.
Logo depois, a editora que viria a se consolidar como a Marvel Comics, também motivada pelo desespero, foi além. Criou o super-herói cheio de falhas. Quarteto Fantástico, Homem-Aranha e outros, suplantaram o sucesso da DC, ao forçar limites. Ao invés de bons mocinhos de personalidade irretocável, surgiram bons mocinhos de caráter duvidoso. Egoístas, iracundos, causadores de suas próprias tragédias. E que aprendiam com isso, eventualmente. As décadas passaram. Os limites precisavam ser forçados. A audiência perdia interesse, com mais e mais frequência. E a cada Adam Warlock, Wolverine e Justiceiro, nos aproximávamos da década da ruptura.
Os anos 1980 romperam de vez com os limites. O que foi bom, em termos de qualidade, pela quantidade de clássicos nessa época. E ruim, por se chegar a um ponto onde todo tabu foi desfeito. Desde então, acontecem tentativas cíclicas de sair das trevas e buscar a luz distante da Era de Prata. Para logo depois usar o choque gratuito, a violência inconsequente, pseudo-amadurecimento de caracterizações com o rançoso ranger de dentes, situações limítrofes que já estavam desgastadas nos anos 1990. E o ciclo é momentaneamente interrompido por alguma tentativa passageira de apelar para qualquer público fora do grupo masculino/fanboy/adolescente-ou-com-mais-de-trinta. Momentaneamente.
Nesse loop tenebroso, o cinema é mais uma peça, desde o primeiro bilhão de dólares gerado por uma adaptação de quadrinhos. Ironicamente, na telona, a Casa das Ideias se tornou símbolo de heroísmo e bom humor, enquanto o Universo Original mergulhou sem concessões no anti-heroísmo e na tragédia. Enquanto os Vingadores trocam piadas durante lutas bem coreografadas, Superman e Batman rangem os dentes, berram ameaças e desabam sobre os inimigos com ferocidade assustadora. E os gibis? Estão alternando abordagens, reiniciando, revisando, revendo, aliás, sempre em “ré”, com o perdão do trocadilho que funciona melhor se você tiver sotaque nordestino.
A proverbial batalha sem fim deveria ser contra vilões e conceitos maléficos. Não contra o desinteresse dos leitores. As boas histórias ainda estão por aí. E não precisam de malabarismos com cacos de vidro. Basta apenas contar o que esses personagens impossíveis fazem. E mostrar o quanto eles podem ser humanos.