Em 1981, o Rei Jack Kirby não estava mais na Marvel. (Tampouco na DC Comics.) Emprestava seu talento à editoras menores e aos estúdios de animação, garantindo seu pé de meia, que não foi possível por meio de sua extensa e profícua contribuição às duas grandes editoras. Naquele mesmo ano, a revista que ajudou a criar e foi a outra metade criativa, cujo sucesso de vendas elevou a Marvel ao patamar que ocupa até hoje e abriu caminho para todo um universo de heróis, completava 20 anos de publicação ininterrupta.
Quando Fantastic Four #236 chegou aos pontos de vendas, as coisas eram bem diferentes, tanto na Marvel quanto no mercado. Para começar, os leitores agora compravam mais gibis nas comic shops do que nas bancas – era o começo do processo que mudou para sempre a forma como os norte-americanos compravam seus quadrinhos. Internamente, a revista era comandada 100% por ninguém menos que John Byrne, na época uma das principais estrelas da editora.
Byrne havia a pouco largado o título que o havia alçado a esse posto de estrela: a revista X-Men já não contava mais com sua arte nem com seus roteiros, que dividia com Chris Claremont, numa das parcerias mais famosas e celebradas dos quadrinhos. Divergências entre ambos fez com que a parceria terminasse e Byrne optou pela revista do Quarteto Fantástico, com carta branca não apenas para desenhar, mas também para escrever suas próprias história (além de artefinalizar e criar as capas). Sua fase com o Quarteto está entre uma das mais importantes, abaixo apenas da dupla criadora, Jack Kirby e Stan Lee (não perca seu tempo achando que a excelente passagem de Jonathan Hickman é melhor; essa vem logo depois).
Com isso, Byrne ficou encarregado de escrever e desenhar a edição 236, quando a família primordial da Marvel completava 20 anos de existência. No Brasil, essa história foi publicada duas vezes: a primeira, na revista abaixo; a segunda, no primeiro volume de Os Maiores Clássicos do Quarteto Fantástico por John Byrne da Panini.
E quanto a história? A ideia era criar uma história que funcionasse como um Quarteto Fantástico – O Filme, num gibi com o triplo de páginas (conforme podemos ver na capa), das quais Byrne escreveu 40, dividindo-as em duas partes, bem ao estilo das primeiras história do grupo.
(A revista foi completada, veja de novo na capa, com uma história de umas 15 páginas que reaproveitava storyboards de Jack Kirby utilizados no desenho do Quarteto Fantástico. Obviamente, ele não gostou nem um pouco dessa maracutaia feita por seu antigo parceiro.)
A trama é simples e começa com o grupo vivendo uma vida totalmente diferente. Não há poderes nem vilões a enfrentar: todos moram na pacata Liddleville e seguem com sua vida cotidiana normal. Johnny Storm mora sozinho e trabalha numa oficina; Ben Grimm vive com Alicia Masters e é dono de um restaurante; Reed e Sue Richards são casados, moram uma área residencial junto ao filho, Franklin. Reed Richards é professor numa universidade local e está sendo perseguido por um tal professor Vincent Vaughn. Já deu pra perceber onde estamos indo, não é?
A história começa com Johnny tendo sonhos de uma viagem espacial juntamente com sua irmã, seu cunhado e o amigo da família, Ben. Algo acontece na viagem e o foguete em que viajavam é atingido por raios cósmicos, chocando-se com o chão ao entrar na Terra. Sue igualmente tem sonhos esquisitos: Ben virando um monstro de pedra e partindo para cima de seu amigo, Reed, que começa a esticar seu corpo para lutar, enquanto seu irmão Johnny entra em combustão. Após pensar bastante, Reed termina desconfiando dos sonhos e descobre que eles estão vivendo uma ilusão. Segundo Reed, é o sogro de Ben, Phillip Masters, padrasto de Alicia e dono de uma loja de brinquedos, que está por trás de tudo. Após ser espancado pelo próprio genro, ele revela seu plano até que, finalmente, o verdadeiro vilão por trás da artimanha aparece: o Doutor Destino.
A cidade, na verdade, é uma maquete criada pelo Mestre dos Bonecos seguindo orientações do vilão; os heróis estão dormindo numa sala e suas mentes foram transferidas para sintoclones criados por Destino, que habitam na pequena cidade. Sim, é ficção científica pura, como eram os primeiros anos do Quarteto Fantástico. Destino torturou psicologicamente a família, em especial Reed, para impedi-lo de pensar com mais clareza e conseguir uma forma de acabar com a tramoia. Enquanto isso, o vilão coloca em prática seu plano para reconquistar o governo da Latvéria. Com a ajuda de um “miniaturizado” acelerador de partículas, Reed consegue recuperar os poderes da equipe, mesmo sendo clones em miniatura.Byrne mostra-se um grande autor de ficção científica, brincando com alguns conceitos do gênero juntamente com aquilo que faz o Quarteto tão especial: a relação familiar, a amizade entre o grupo e os dramas que a vida de super-herói trouxeram. Ben se recusa a ir embora, pois sua aparência ainda o tortura, em especial devido à sua relação com Alicia Masters que, por ser cega, supostamente não sabe sua real fisionomia. Byrne explora todas essas questões, o peso da responsabilidade que Reed carrega e até mesmo a forma com ele trata sua esposa, Sue. A (ainda) Garota Invisível é a personagem melhor desenvolvida pelo autor e sua evolução no título seguiu a olhos vistos, culminando, mais à frente, com a mudança do nome para Mulher Invisível.
Enfim, uma grande história, digna da comemoração e respeitosa com a criação de Stan Lee e Jack Kirby. Por essas e outras que a passagem de Byrne pelo grupo foi tão marcante, pois ele entendeu perfeitamente o Quarteto Fantástico e soube trabalhar com a equipe, não esquecendo de evoluí-la, num grande trabalho de desenvolvimento.
Roteiro: John Byrne
Arte: John Byrne
Editor: Jim Salicrup
Capa: John Byrne e Terry Austin
Publicação original: Fantastic Four v. 1 #236 (november de 1981)
No Brasil: Homem-Aranha 1ª Série #49 (julho de 1987)
Nota dos editores: 4.0
Nota dos leitores: 4.4
Gosto demais dessa história. 4.4
Minha nota: 4.4