Agora no começo de 2020, a Marvel publicou um especial one-shot meio que timidamente: Immortal Hulk: Great Power, com roteiros de Tom Taylor e arte de Jorge Molina. A história se passa no meio de um arco da revista Immortal Hulk, da dupla Al Ewing e Joe Bennett. A premissa é simples: numa noite, Bruce Banner percebe que o Hulk não deu as caras. Algo não está correto, afinal “a noite é dele”. Cadê o Hulk? Como o título dá a entender, o Golias Verde foi parar em Peter Parker. Sim, agora temos o Spider-Hulk! Quantas histórias desse tipo você já leu? E nem precisa citar Amalgam Comics, né? Só na Marvel deve ter coisas desse tipo no atacado. Leitor mais velho bate o olho nisso e pensa: de novo? Sim, de novo.
Veja um mea culpa dobrando a esquina.
A história não é ruim (caso não saiba, anote aí: Tom Taylor é sinônimo de qualidade); muito pelo contrário. É bem divertida, além de ser uma leitura rápida (mesmo com suas trinta e poucas páginas), daquelas que você mata na parada de ônibus. Se diverte, dá aquele sorriso honesto em plena segunda-feira e pega sua condução mais animado, mesmo estando lotada. Afinal, lemos gibis também para isso, não é mesmo? Nem só de questionamentos sociopolíticos, narrativas mágicas e existencialismo pós-moderno vive um leitor de quadrinhos. Mesmo assim, você bate o olho antes e pensa: de novo. Sim, de novo. Mas esse nem é o grande problema.
O negócio dará ruim se a Marvel, lá pelas tantas, pegar a história de Immortal Hulk: Great Power e transformá-la numa saga, num megaevento ou utilizar seus “conceitos” para esticar arco da mensal até cansar o leitor e o escritor. Tendemos, você e eu, a culpar o Tom Taylor por isso. “Diacho, de novo essas presepadas? Tá sem ideia, cara?” No entanto, Taylor é pago pelas editoras para escrever boas histórias, que vendam de alguma forma, nem que chame a atenção por um Homem-Aranha verde gigantesco com as roupas semi-rasgadas. E essa é uma boa história, não se deixar levar pela reciclagem de décadas da indústria. Cumpriu seu papel. O que será feito dela, daqui em diante, é uma outra conversa. Talvez por isso, você e eu, estejamos cansados dessa indústria autofágica, cada vez menos interessados em revistas mensais e mais preocupada eventos megalomaníacos. E os escritores, me parece, também. Para quê o cara vai investir seu esforço numa mensal redondinha se daqui a pouco terá que mudar o rumo para encaixar o título em mais um evento semestral? Imagina o Nick Spencer ter que encaixar no seu planejamento de Amazing Spider-Man um Peter Parker tomado de radiação gama? Ou o Chip Zdarsky fazer duas histórias do Demolidor ajudando a reconstruir a Cozinha do Inferno porque o Homem-Aranha está tomado pelo Hulk?
Eles farão, claro. Alguns seguirão nisso até o fim de suas carreiras. Outros vão olhar e pensar: “quer saber? Ao invés de utilizar essa ideia nessa revista, vou criar algo meu e lançar na Image, BOOM, IDW…” Alguns leitores seguirão nas mensais até quando tiverem saco de ir à banca. Outros vão seguir os autores na Image, BOOM, IDW… Me parece que não há mais espaço para boas ideias na Marvel e DC Comics, visto que os autores precisam corrigir a rota para encaixar naquele evento mutante ou na saga dos Vingadores. Por que Immortal Hulk: Great Power não pode vender pelo que é e ficar só nisso mesmo? Por que seu (provável) sucesso precisa ser esticado por seis meses? As boas ideias andam tão escassas que a primeira que surge, por mais simples e banal que seja, vai ser destroçada em 20 revistas?
Como eu disse acima, leio gibis também para me divertir. Os citados aqui (Taylor, Ewing, Spencer (risos), Zdarsky), juntamente com outros tantos (Peter Tomasi, Kelly Thompson, Dan Jurgens, Robbie Thompson) estão fazendo revistas mensais puramente com esse propósito. Podem fazer mais? Não tenho dúvidas. Mas se todo mundo anda fazendo mais, anda fazendo capa dura mensalmente, anda criando narrativas complexas a cada quinze dias, como fica minha diversão no ponto de ônibus? Como ficam aquelas dicas “lê isso aqui, bicho, massa demais”? Só quero ler essa revistinha, me divertir e seguir com a vida – o que não invalida eu chegar em casa, me aconchegar, e ler uma história complexa e desafiadora escrita por alguns dos citados. Não preciso que Immortal Hulk: Great Power se transforme num grande evento porque sei – tenho certeza absoluta – que mês que vem Tom Taylor vai me entregar outra história massa demais, que vou me divertir e dizer para todo mundo: é por isso que adoro gibis. É por isso também.
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