Pais e filhos

Certas coisas me parecem básicas, basilares, essenciais e muito bem sedimentadas no mundo dos gibis norte-americanos. Jor-El e Thomas Wayne estão mortos há mais de 80 anos. Jor-El, por exemplo, morreu em em sua primeira aparição, mais de mil edições atrás. Veja, isso não é canônico, para ficarmos num termo tão caro aos leitores mais fervorosos: isso é ponto de partida, é o início de tudo. O bebê (ou feto) Kal-El só veio à Terra porque seu pai e sua mãe, Lara, estavam em um planeta condenado que explodiu. A morte de Thomas (e Martha) transformou Bruce Wayne em Batman – ao menos deu sua motivação. Sendo assim, trazê-los de volta à vida (ou considerar que não morreram) muda completamente a existência de seus filhos, indo muito além do “eita papai, que você fez agora?”, para não mencionarmos o fato de ser a ideia mais imbecil do século XXI.

Obviamente, ao longo de oitenta anos, ambos já apareceram aqui e acolá. Quem não lembra do casal El sereno e tranquilo em Zero Hora? Mas a saga se propunha fazer exatamente aquilo e em momento algum o objetivo era revivê-los. Um lapso no tempo, eles aparecem para o filho, depois somem. E Kal-El seguiu sua vida, respeitando a memória dos pais que nunca conheceu.

Não me pergunte como: após um bom tempo de enrolação com o tal Senhor Oz, eis que Jor-El reaparece, com um moicano ridículo, cheio de raiva, muito poderoso e com mais inimigos que o filho. Ao fim e ao cabo, serviu apenas para tirar Jonathan Kent da jogada, posto que a DC parece não querê-lo por ali. (Não é o caso de “não saber o que fazer”: Peter Tomasi criou ÓTIMAS histórias com Superman e Superboy, o que tornou o “sumiço” de Jon ainda mais doloroso e desnecessário.) Da mesma forma que não sei/lembro como Jor-El apareceu, ele desapareceu. Não acrescentou nada, só causou problemas e ficou aquela sensação de “pra quê isso, meu Deus?”. A falta de idéias é gritante.

Thomas Wayne, por seu turno, voltou dos mortos (ou nunca morreu) numa saga bem mais recente e que também mexia com o tempo. Fruto de uma tainha de Flashpoint, seu arco curto mostrou-se bem mais interessante que a saga principal (o que não era difícil). Brian Azzarello se viu livre para apresentar um Batman violentíssimo e ainda mais ressentido, numa trama cheia de reviravoltas. Ótima história, sem dúvidas, mas não a ponto de criar uma falsa necessidade da presença daquele Thomas Wayne na continuidade regular. Por que não criar mais minisséries ou – Deus me perdoe – até mesmo uma mensal daquele Thomas naquela continuidade?

Mas não, tivemos que seguir o Jor-El moicano e o Thomas olhos vermelhos no Universo DC sem que isso refletisse no que são seus filhos. Tom King, pense bem, o que realmente faria Bruce Wayne largar o capuz: a felicidade do casamento ou seu pai vivo? Não é difícil. A impressão que fica é que tem mais de uma pessoa na DC Comics com problemas não resolvidos com seus pais e cabe a nós acompanharmos suas terapias mês a mês. Prefiro ligar pro meu pai para ouvi-lo fazer a pergunta eterna: “de quanto o CSA perdeu?”.


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