Antes de começar a ler, escute essa música: Jane’s Addiction – Ted, Just Admit it… Agora sim!
Onde você estava nos fins de 2015? Eu não sei como deixei passar esse encadernado (136 páginas, capa dura e com extras) da Devir. Não vi nas lojas especializadas, nos sites e nem mesmo na imprensa. O segundo volume, lançado no meio do ano passado, eu só vi SEM QUERER em dezembro. Talvez essas capas merdas não ajudem…
Fora isso, você lembra do Matt Fraction? (Do Chip Zdarsky eu nunca tinha ouvido falar.) Talvez as primeiras lembranças sejam “A Essência do Medo” (meu Deus, que lixo), Homem de Ferro, Thor (esses dois saíram juntos, em Homem de Ferro & Thor, aquela revista da Panini que, dizem por aí, vendia muito), Punho de Ferro (foi relançado a pouco, quando ele era ciceroneado pelo Ed Brubaker) e o sensacional Gavião Arqueiro (ainda sonho com aqueles desenhos do David Aja).
Bom, Fraction também lançou coisas pela Image Comics, como Casanova. Independente da sua experiência com o material dele na Marvel, esqueça: ele até saiu de lá puto da vida, mandou todo mundo se foder e agora é feliz e completo, cuidando das suas próprias criações. E é por isso que você PRECISA (veja bem) ler esse gibi. Porque é aqui, longe da pressão dos executivos malucos da Marvel, que Fraction se solta e mostra todo seu talento (ganhou alguns Eisner). E o cara escreve MUITO (compre e depois me diga se não)!
No primeiro encadernado, você vai achando que saberá de tudo da história. Mas se você conhece BEM o escritor, sabe que ele vai segurar a onda mais uns segundinhos e não entregará o ouro logo na primeira edição. Calma, tem as preliminares. E elas vão deixar você louco, maluca pra saber mais sobre o restante.
Os autores dão aquela chutada no balde na narrativa. Abusam e não têm medo de quebrar a quarta parede a toda hora, mas sem ser pedante como um Deadpool mal-feito. A personagem principal, a Suzie, é quem se encarrega de pegar você pela mão e te levar pelo universo dela. Só não esqueça de uma coisa: do título da história. Não, não estou falando dos crimes (até porque nem sei se podemos chamar de uma “história policial”).
O sexo está povoando TODAS as páginas desse gibi. Dependendo da sua visão sobre o assunto, pode ser um problema, como foi com Lost Girls do Alan Moore (guardada as devidas proporções, enredos e objetivos). Fraction não quer te ensinar, te doutrinar, te fazer pensar ou repensar. Nada disso. Nem te ofender, acho. Ele só quer contar uma história em que o sexo é um personagem principal, mas sem filosofia; ao contrário, é com muito bom humor. Sim, é um gibi engraçadíssimo, acima de tudo. Diversão. Divirta-se.
Posto isso, a Suzie não é sua irmã mais nova (nem sua irmã mais nova deveria ser sua irmão mais nova). É uma garota como outra qualquer (agora sim, igual à sua irmã mais nova), que gosta de namorar e de transar e de se divertir. Igual a você. Igual à sua irmã mais nova. A diferença é que, quando ela tem um orgasmo, o tempo para. Congela. O cara fica lá em cima ou embaixo dela, paradinho, e ela pode sair de lá e tomar água. E quando acontece, a Becka Kinzie (acho que é ela, não sou especialista em arte) mete uns efeitos nas cores, deixando tudo mágico. Aí um belo dia, Suzie conhece Jon: esse nerdão aspirante a ator tem o mesmo “poder” que ela. E eles achavam que eram os únicos até se encontrarem e darem uma no quarto dela (mas antes se conheceram e viram que tinha gostos em comum). Normal, né?
Há outras nuances, obviamente: o pai de Suzie morre quando ela era criança e, pouco depois, ela estaria descobrindo sua sexualidade, justamente nesse momento de luto em que sua mãe insiste em ficar por anos a fio. Mas não se preocupe: não tem espaço pra histeria adolescente, choradeira, você não liga pra mim, essas coisas. Quer dizer, até tem: mas o Fraction suaviza tudo isso em pouquíssimas páginas, sem deixar chato, piegas ou clichê.
O Jon, por sua vez, sofre do distúrbio de oposição desafiante (não pergunte) e não toma seus remédios regularmente porque isso o deixa fodido, impessoal, e o faz odiar seus chefes e seus empregos chatos em bancos. Falando assim, parece ser um sofrimento sem fim, uma terapia em quadrinhos. Nada disso. A forma como o autor lida com esses dramas, com a descoberta da sexualidade e com o simples fato de transar é sensacional e engraçadíssimo. É o que faz esse gibi valer a pena.
Imagine você com uns 12 anos e descobre que, quando goza, o tempo para. O que você faria? O Jon vai catar pornografia numa grande loja especializada (sua adolescência foi pré-internet) e bater punheta como se fosse um Alexander Portnoy com poderes mágicos (eu faria isso hoje, imagina com 12 anos).
Quando ele conhece a Suzie, é que tem a ideia que vai motivar o título e o primeiro volume desse gibi: roubar bancos. Mas calma: não é pra ficar rico. Isso também tem uma explicação na trama. E aí a coisa fica ainda mais louca, absurda, surreal e divertida. Porque se numa historia tem roubo a banco, tem que ter polícia, não é mesmo? E assim aparece a POLÍCIA DO SEXO, que pode se movimentar normalmente quando o tempo para, após uma transa do casal.
Tudo isso em TODAS as cinco primeiras edições. Como disse, a dupla criativa deu uma chutada na narrativa e a trama caminha lotada de flashbacks, em uns três níveis temporais distintos – e você não se perde! Tem a pré-adolescência do casal, quando a sexualidade está aflorando e descobrem os “poderes”. Tem a época que ambos começam a namorar e vão se conhecendo e contando sobre sua pré-adolescência! Entendeu? E tem o tempo atual, que é quando eles vão roubar bancos.
O segundo volume começa com o pé no freio – se comparado com a ação alucinante do final do primeiro -, mas como novas questões para o casal. E, como o próprio título do encadernado indica, vamos conhecer um pouco melhor a polícia do sexo, mas não da maneira que você deve estar pensando. Dessa vez, é o Jon quem quebra a quarta parede e conta pra gente o que aconteceu. Ah, e ele ficou sem o próprio pau. Sim, é hilário.
Apesar de escaparem, a polícia do sexo ainda os vigia e agora começa a atacá-los de maneira mais incisiva. E, como todo casal normal, os problemas entre eles vão explodindo. Então, sim, esse segundo volume não tem o tom escrachado do primeiro, pois as angústias aumentam entre Jon e Suzie. Mas isso não significa que temos um volume soturno e depressivo (tô repetitivo, hein?). Até porque rola uma homenagem SAFADA a The Wicked + The Divine (o nono volume é dedicado aos autores. Aliás, preste atenção nas dedicatórias) e conhecemos mais sobre o passado de Ana, a atriz pornô de quem Jon era muito fã.
Todo esse segundo volume é um excelente pé no freio. Não apenas desenvolve bem o casal, deixando-os ainda mais críveis e parecidos conosco, como também inclui os coadjuvantes que, até então, apenas estavam orbitando a história. Se você já leu, percebeu que o arco “não termina”. Matt Fraction deixa um belo gancho pro volume final (sim, são três, cada um com cinco edições), com a polícia do sexo indo atrás deles e eles se preparando para enfrentá-la. No entanto, não sabemos os planos de ambos. É uma preparação fantástica para o clímax.
Insisto: Criminosos do Sexo é uma aula de roteiro e narrativa, de como deixar você ligado à história que está sendo contada. Você não vai largar esses encadernados. Agora só resta a Devir publicar logo o terceiro volume. Vai ser difícil segurar até lá.
Roteiro: Matt Fraction.
Arte: Chip Zdarsky.
Editor: Thomas K.
Capa: Chip Zdarsky e Becka Kinzie (cores).
Publicação original: Sex Criminals v. 1: One Weird Trick (abril de 2014) e Sex Criminals v. 2: Two Worlds One Cop (fevereiro de 2015).
No Brasil: novembro de 2015 e julho de 2016.
Nota dos editores: 2.6