Essa poderia ser a introdução ideal para uma história sobre a história de um dos personagens mais malditos da Marvel Comics. Esqueça o azar de Peter Parker, o sofrimento de Norrin Radd, a tragédia de Bruce Banner ou a danação de Johnny Blaze. O doutor Henry Pym é tudo isso em sua cronologia, nas versões multiversais e, atualmente, como personagem de cinema. Pym, o Homem-Formiga original, se tornou um coadjuvante em sua própria estreia cinematográfica. Não apenas isso, também foi removido completamente da criação dos Vingadores, além de não ser nem mesmo o responsável pelo surgimento de Ultron.
Ao menos permitiram que continuasse como gênio científico criador da fórmula capaz de encolher ou aumentar o tamanho de seres vivos e objetos inanimados. E o deixaram com o título de primeiro Homem-Formiga, com a condição de ficar somente nos flashbacks. Na franquia, seu papel é somente de consultor, mentor, etc., nada de se aventurar por aí com nenhuma das identidades que usou nos quadrinhos. E olha que foram muitas. Mas… Qual o motivo disso tudo?
O Instável Dr. Pym
Pouco tempo depois de sua participação na fundação dos Vingadores nos gibis, o primeiro Homem-Formiga já demonstrava indícios de problemas emocionais. O camarada tinha inveja e até mesmo ciúmes dos outros integrantes por dois motivos paralelos… Ele era o herói que encolhia, enquanto os outros eram montanhas de músculos verdes ou divindades do trovão e da força ou usuários de armaduras high tech ou símbolos patrióticos fisicamente perfeitos. E, pra aumentar a munganga do Dr. Pym, sua namorada mais jovem, Janet Van Dyne, a Vespa, ficava flertando com todos diante dele, ainda que fosse apenas por brincadeira.
(Some-se à isso o trauma severo causado pelo assassinato de sua primeira esposa, Maria, por um regime ditatorial europeu, fato que pode ser a origem de todos os seus problemas.)
Dessa inquietude emocional toda veio a vontade de competir em pé de igualdade com seus colegas e, refletiu o cientista, se foi capaz de reduzir seu tamanho, por qual motivo não poderia AMPLIAR sua estatura? Surgiu a primeira troca de identidade super heroica de Hank Pym, deixando de ser o Homem-Formiga para se chamar o Gigante. Daí em diante, ele assumiu outros codinomes e até poderes diferentes, como Golias, Jaqueta Amarela, o Vespa, muitas vezes voltando aos anteriores quando necessário, além de passar alguns períodos usando apenas seu nome civil.
Se fosse apenas isso, seria exagero considerar Hank um personagem maldito. Mas tem o “filho” genocida e, pior de tudo, o episódio da agressão doméstica… Ainda que bem intencionado, o doutor acabou criando uma das maiores ameaças do Universo Marvel, ao desenvolver uma inteligência artificial baseada em seus padrões cerebrais. Basicamente colocou sua genialidade E neuroses em um algoritmo sem freios morais. As frustrações e traumas de Hank Pym sem a empatia com seus semelhantes, afinal, NINGUÉM era semelhante a Ultron. E esse “filho” cibernético logo agiu contra o seu criador, primeiro incapacitando-o e depois apagando suas memórias do fato. Manipulação mental, em uma psiquê já danificada. Não é de se estranhar que, na mesma época, Pym tenha sofrido um colapso nervoso tão forte que resultou em um bizarro caso de dupla personalidade, criando a persona Jaqueta Amarela.
Muito tempo depois, o doutor voltou a sofrer instabilidade, a ponto de forjar uma ameaça contra ao Vingadores apenas para se mostrar valioso para a equipe. Foi nessa ocasião que aconteceu o fato que marcou o personagem pra sempre. Em um rompante de fúria, ele atinge Janet no rosto com o punho. O roteirista dos Vingadores na época, o lendário Jim Shooter, afirmou há alguns anos que seu roteiro NÃO descrevia um tapa ou soco no rosto de Jan. Essa teria sido uma interpretação errada por parte do então desenhista da equipe, Bob Hall. Infelizmente, a cena foi publicada assim e até hoje paira sobre Hank. Inclusive tendo sido potencializada sem pudores na versão Ultimate de Pym. Mark Millar, fazendo jus ao seu estilo incontido, fez de Hank um usuário de antidepressivos, numa relação abusiva com Janet, onde a violência era uma constante.
Se no Universo Marvel 616 ocorreu um fato isolado, no Universo Ultimate o personagem foi totalmente definido como um covarde agressor de mulher.
Eis que a equipe The Ultimates, os Vingadores desse universo paralelo, influenciou vários aspectos da adaptação para o cinema, vide o Nick Fury L. Jackson ou o Gavião Arqueiro agente da SHIELD, portanto, a versão ultimate de Hank Pym deve ter sido a que mais saltou aos olhos dos produtores, afinal, quanto pior a desgraça maior a visibilidade. Podemos supor que, ao ver um dos fundadores da equipe com tantas falhas de caráter, em uma era em que a violência contra a mulher tem sido tão combatida, as chances de usarem o doutor no grande plano de universo cinematográfico compartilhado literalmente… encolheram.
Mas, ei, a crescente onda de sucesso dos personagens Marvel nos cinemas eventualmente levou à expansão dos planos, à utilização de mais conceitos e, por fim, às reavaliações. Um herói que encolhe e controla formigas, uma parceira com asas e poderes emulando insetos… Isso é material de primeira pra um universo ficcional que prima pela ação e humor nos seus filmes. Vamos ver o que podemos fazer, hm?
Primeiro, vamos usar o Homem-Formiga, mas não o original. Deixa o cara logo numa situação que limite suas ações, digamos, envelhecendo o sujeito. Agora ele está com mais de 60 e tantos, então vamos arrumar um substituto e, opa, que bom termos Scott Lang dando sopa. Ele foi o segundo Homem-Formiga nos quadrinhos, com uma história de redenção, problemas não tão graves no âmbito matrimonial (divorciado e se esforçando pra ser um bom pai, enquanto a filha vive com a mãe) e uma personalidade boa-praça. Janet também foi retirada de cena, em seu lugar criaram Hope (e não Nadya, como nos gibis. Deve ser coisa de direitos autorais ou algo assim), filha da Vespa com Hank.
E olha onde estamos agora…
Depois de aparecer em Capitão América: Guerra Civil e voltar em seu segundo filme próprio, Homem-Formiga e a Vespa, Scott se firmou como a versão que vale para toda uma geração de fãs, enquanto Hank ficou apenas como a figura secundária. Foi o mais acertado, a decisão mais segura, para o Marvel Studios? Possivelmente. Mexer no vespeiro (ou formigueiro) que se tornou o personagem Hank Pym nos quadrinhos, não traria nada de produtivo para os envolvidos. Mas tudo isso é conjectura e suposição.
De oficial, temos apenas as declarações do diretor Edgar Wright, que esteve envolvido por vários anos na primeira versão do roteiro, antes de sair do projeto e ser substituído por outro diretor, Peyton Reed. Wright afirmou, em 2006, que ao discutir a possibilidade de fazer um filme sobre o Homem-Formiga, só conseguia visualizar Scott Lang como protagonista pelo simples fato de ser fã do personagem desde sua estreia pelas mãos de David Michelinie e John Byrne, no final dos anos 1970. Ok, não há o que questionar, mas… Por qual motivo Kevin Feige e seus Blue Caps não contestaram e mantiveram Hank como o protagonista? De todos os Vingadores originais, somente ele (e Janet, por tabela) foi excluído da Fase 1 e do seu lugar de direito como um dos fundadores, nos quadrinhos.
Seja qual for a verdade, independente das causas, ficou comprovado de uma vez por todas que Hank Pym é o herói maldito da Marvel.
2 comentários sobre “Stan Lee apresenta… A MALDIÇÃO DE HANK PYM”