Quase cinco anos depois do lançamento da primeira Graphic MSP (Astronauta: Magnetar saiu em outubro de 2012), já dá pra ter algumas certezas sobre a coleção.
A “visão do artista”, por exemplo, é visivelmente domesticada, principalmente no tocante aos roteiros. Quase todas as Graphic MSP preservam a essência dos personagens de Mauricio de Sousa, mostrando-os pouco diferentes de suas versões clássicas. As poucas e notáveis exceções tiveram resultados diversos, indo do sublime (Astronauta: Magnetar) ao intragável (Turma da Mata: Muralha).
Se você ainda compra as GMSP na esperança de ler um gibi adulto, já pode parar. A coleção não é para você. Pode haver um lirismo acentuado, insinuações de terror ou violência moderada, mas a coisa jamais despiroca até um ponto em que uma criança não possa ler. Então, uma vez aceito o fato de que a maioria dessas histórias poderia, tranquilamente, sair em um gibi de linha da Turma, dá pra curtir melhor algumas surpresas que surgem.
Há quatro anos, Chico Bento foi protagonista de uma GMSP, chamada Pavor Espaciar, escrita e desenhada por Gustavo Duarte (Bizarro, da DC Comics). Em tom de homenagem ao cinema mudo de humor, ficção científica B e desenhos clássicos como Looney Tunes, Pavor Espaciar padecia de uma vontade exagerada de acumular referências e easter eggs, em detrimento de uma história mais caprichada (ou era eu o leitor adulto equivocado do parágrafo anterior?).
Eis que, agora, Chico ganha uma segunda chance – desta vez, pelas mãos do paulista Orlandeli, ilustrador cujo trabalho já foi visto nas revistas Época e Superinteressante, entre outros veículos (vale a pena visitar o site oficial do artista, ainda que ele pareça desatualizado). Em lugar de ciência e humor sem palavras, Orlandeli preferiu trilhar o caminho da emoção em Chico Bento – Arvorada, colocando a Vó Dita como parceira de cena do garoto matuto.
O texto de Orlandeli evoca, através da terna relação de Chico com sua avó, uma caipirice que parece já perdida nestes tempos nada inocentes ou pacientes, em que o sinal do wi-fi avança sobre a zona rural. Se não há originalidade na dicotomia entre os personagens (Vó Dita encarna a sabedoria, paciência e reflexão, enquanto Chico é puro instinto, pressa e impulsividade), o recurso de Orlandeli para apresentar lições de vida ao garoto encontra eco no peito de qualquer um (e, se você me permite o luxo de um discreto spoiler, até ler Arvorada, eu não sabia que houve uma tragédia familiar na “cronologia oficial” de Chico).
O curvilíneo traço do artista é muito bonito, com diagramação interessante e paleta de cores que varia conforme o estado emocional de Chico, havendo predomínio do amarelo por conta do ipê que norteia a história. Cores claras quando Chico brinca na roça, tons mais fortes quando a tristeza ou o medo pairam no ar. Em aspecto visual, Arvorada está em pé de igualdade com as melhores coisas já vistas na coleção. Um livro muito bonito, que a gente lê e “assiste” com muito prazer.
Em que pese a falta de ousadia narrativa, a série Graphic MSP cumpre bem seu papel de apresentar talentos nacionais aos leitores. Provavelmente, não faltam a estes artistas ideias arrojadas. Talvez elas sejam, simplesmente, filtradas nas reuniões editoriais – e, bem, quem pode culpar Mauricio por proteger suas criações? Este zelo (excessivo?), porém, resulta em uma sequência de histórias medianas, que divertem, mas não marcam. Se bem que a gente tolera anos de fases mornas nos quadrinhos de super-heróis, né? Talvez cobrar “Grande Arte” do Mauricio e dos seus protegidos seja injusto, ainda que legítimo.
Roteiro: Orlandeli.
Arte: Orlandeli.
Editor: Sidney Gusman.
Capa: Orlandeli.
Publicação original: -
No Brasil: abril de 2017.
Nota dos editores: 4.2