Gibis que precisam ser publicados no Brasil: Desolation Jones

Mike Jones era um agente secreto britânico tão bêbado que se alistava por livre e espontânea vontade em todos os obscuros experimentos cirúrgicos de seus chefes. O motivo? Fugir do trabalho para passar seis semanas de molho, dormindo. Entretanto, um dos testes fez exatamente o oposto: privou-lhe do sono por um ano e, de quebra, o deixou parcialmente sem sentidos, sem pigmentação da pele e alérgico à luz solar.

Corta para o presente. Hoje, Mike faz parte de uma comunidade de operativos clandestinos, muitos dos quais também envolvidos em procedimentos similares, confinados na área que as autoridades de Los Angeles apelidaram de “Cidades dos Espiões”, mantendo-a selada e legalmente invisível. O distrito é administrado por Jeronimus, um ex-agente da C.I.A considerado uma obra-prima cirúrgica: ele só precisa comer quatro vezes ao ano. Porém, quando precisa fazê-lo, tem que ingerir muita proteína. Grandes quantidades de proteína! Muita carne! O que ele faz? Ora, vai a uma região de UFOs, com histórico de sacrifícios massivos de vacas, e come carne na floresta. Por conta disso, é o único com permissão para sair dos limites de L.A – sob permanente vigilância armada, claro.

O mesmo Jeronimus é uma espécie de “empresário” de Jones, que lhe arruma serviços de detetive dentro da comunidade. Eventualmente, também é assessorado por sua vizinha, Robina, capaz de improvisar e bolar qualquer tipo de situação, mais ou menos como o gênio criativo de um Forge, só que sem escrúpulos. Como disse, Jones é um detetive que presta serviços exclusivamente para os membros de sua comunidade. Certa feita, ele recebe o chamado de um velho coronel para investigar o furto de um vídeo pornô de sua propriedade, produzido, dirigido e estrelado por ninguém menos que Adolf Hitler.

A partir daí, o trabalho toma corpo quando começa a buscar informações nos últimos degraus do underground los angeleno. É nessa busca que somos apresentados a personagens ainda mais intrigantes. A começar por Filthy Sanchez, dona de uma loja que comercializa todo tipo de fitas pornô. Cercada de sodomitas, quando questionada por Jones sobre o tal “Santo Graal da Sacanagem Cinematográfica”, vira a casaca e tenta obtê-la para si própria.

E o que dizer de Emily Crowe? Uma ex-agente que também vive em exílio na cidade, mas sua condição por si só já funciona como cárcere. Seus atributos especiais? Ela deveria ser a armadilha sexual definitiva: super-produção de gatilhos-feromônais sexuais. Não funcionou, aliás, tal como Jones, o que aconteceu foi o inverso. Quem se aproxima dela sente medo e repulsa; algo indescritivelmente perturbador. A solidão que isso lhe resulta é patente. Apena Jones é imune aos seus dons e, obviamente, o único que tem contato físico com ela. Aliás, chega a ser tocante quando ela lhe implora para que fique em sua casa por pelo menos mais uma hora.

Mas minha sequência predileta está ali, na 3º capítulo, quando uma atriz pornô faz um verdadeiro check-in da profissão, relatando o cotidiano dessa indústria a Jones. No nível do texto bruto, a cena em si já é pouco convencional, mas ela é levada para outro nível graças à arte e cores de J. H. Williams III, que confere as visões de Jones – consequências do experimento – algo que se pode ser comparada com as alucinações despertas de Rust Cohle em True Detective¹. As visões mais comuns são os anjos perdidos de Los Angeles, uma espécie de sensibilidade ao ambiente.

¹ Depois desse texto de Érico Assis, fiquei com uma pulga atrás da orelha quanto às fontes utilizadas por Nic Pizzolatto, enxergando alguns paralelos entre Desolation Jones de 2005 e True Detective de 2014.

Assim, Jones tem alucinações da garota emulando tudo que acabara de falar. Em alguns casos, a coisa é bem quente, em outros, degradante para os mais puritanos. Nada contra o ganhador do Eisner Awards 2006 (John Cassaday), mas o grande vencedor moral naquela sexta-feira do dia 21 de julho de 2006 foi J. H. Williams III. A sinergia do traço meticuloso em mosaico confere gradações oníricas ao texto – sempre! – ácido de Warren Ellis. Ao que parece, Desolation é um trabalho bem desconhecido, mas já o julgo como um dos melhores que já li de ambos os autores. É uma verdadeira dedada no olho.

Outro detalhe interessante: Michael Jones parece que foi forjado sob encomenda para um dia ser vivido por Hugh Laurie. A semelhança é tanta – devido ao uso imoderado de ácidos para aliviar as alucinações -, que em dado momento, o tradicional “Vicodin” do bom doutor é até citado. Outros pontos de convergência entre Gregory House e Mike são: a indisfarçável fragilidade física e o fato que ambos estão cagando para o mundo.

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“Cavalheiros ingleses sempre deixam suas acompanhantes bêbadas e chapadas. É a única maneira de fazermos as pessoas dormirem conosco”.

PS. Só lembrando que Desolation Jones é uma minissérie em seis edições que faz parte do catálogo Vertigo e, portanto, da alçada da Panini. Logo, sintam-se à vontade para cobrar sua publicação ou pagar para ver, comprando o encadernado importado – que, quem diria, não raro, vem saindo mais em conta que o nacional.

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