X-Men: Resgates Psíquicos, Parte 1

Teorias conspiratórias sobre o esvaziamento criativo das franquias mutante e fantástica na Marvel estão na ordem do dia. Parte do fandom enxerga nisso uma espécie de retaliação kamikaze, que autossabota histórias e/ou merchandising em prol de uma agenda de desvalorização frente a Fox, há anos retentora de vantajoso contrato de exclusividade frente a produções live-action das mesmas. As recentes afirmações de Jonathan Hickman, inclusive, vão nesse sentido; o que põe por terra qualquer esperança do leitor de, num futuro próximo, folhear uma reunião dos Richards, Storm e Grimm.

Diametralmente oposta é a situação dos X-Men, que vive uma espécie de revival noventista com X-times e X-títulos saindo pelo ladrão, mas sem qualquer sucesso de público ou crítica, atual ou recente, que referende tamanho interesse. Com as boas cifras arrecadadas em Logan/Deadpool, a repercussão positiva de Legion na telinha e o burburinho em cima de Cable, o mais sensato é crer que, ao menos aqui, o editorial entregou os pontos e sabe que drenar James Howlett, Wade Wilson, David Haller ou Nathan Summers, pode ser mais prejudicial para a Marvel Comics do que para a menina dos olhos da Disney, o MCU. Por outro lado, dado o histórico errático do grupo, com equipes sendo formadas na mesma velocidade que são extintas, personagens desaparecidos, mortos, revividos, trocando de lado […], se torna difícil apontar o que está errado ou, pior, dizer como pode melhorar.

Ainda que os filmes X-Men não sejam o forte da Fox, a franquia X vive um bom momento e, diferentemente do Quarteto Fantástico, a cada dia deixa mais longe o sonho do MCU de reaver seu copyright.

O que não dá para negar é o desgaste natural do storytelling contemporâneo, requentando temas e tramas. Normalmente sou avesso a retcons, revamps e – batam na madeira! – reboots, mas uma bela oportunidade de se encerrar esse capítulo iniciado em 1963, teria se dado no desfecho da passagem de Brian Bendis caso os Originais tivessem regressado ao seu tempo e modificado sutilmente a continuidade conhecida. Nada tão danoso quanto “Flashpoint” (a saga do Flash que gerou “Os Novos 52”, na DC), é claro, mas que servisse como um plot twist ou, vá lá, uma ressurreição cardiopulmonar dos mutantes. Vale lembrar que o momento também ajudava, haja vista que o manto protetor e (pseudo) revolucionário das “Guerras Secretas” estava em curso, mas se não ocorrera ali, ainda assim, não se formou qualquer empecilho para que não ocorra mais tarde. Afinal, os Originais ainda estão por aí, não é?!

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O texto a seguir foi feito a quatro mãos, por eu, Luwig, e Kelnner, antigo colaborador do Pulse e ex-Smells Like Shit, e pretende revisitar períodos singulares na biografia de determinados integrantes do corpo docente/discente do Instituto X, não como autocomiseração do passado ou respostas para as dinâmicas contemporâneas ora comentadas, mas sim como um exercício de “quem sou e como vim a ser”, capturando passagens que foram determinantes para os rumos tomados pelo grupo ou, de maneira mais específica, ajudaram a lapidar o casting em perfis a granel:

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A ideologia darwiniana de Erik Magnus Lehnsherr sofrera um abalo severo com o advento do Dia M, em “Dinastia M”, ao frear, ou melhor, decimar a investida genética do homo superior. E se antes o flerte paradoxal – ou seria hipócrita? – com o dogma ariano¹ parecia o caminho a ser seguido, subjugando os sapiens obsoletos, agora não havia mais sentido em manter rixas com o seguimento pacifista da sua causa. Afinal, a luta que importava não era mais a sobreposição racial e sim a continuidade da própria mutandade, à beira da extinção; fora o fato de que, já há bastante tempo, a guerra contra o seu rival de DNA vinha cobrando o seu preço.

¹ Sofrido na pele pelo próprio em campos de concentração.

Essa epifania foi bem dosada e levada a cabo sob a batuta de Matt Fraction e Kieron Gillen, estabelecendo na figura de Scott Summers um meio-termo entre a dicotomia Xavier/Magnus. Assim, após ver sua conduta ilibada cair por terra ante a revelação dos incidentes apresentados em Surpreendentes X-Men e Gênese Mortal, o Professor X acaba vivendo uma inversão de papéis com Magneto, que se prostra frente às conquistas de Ciclope, e vira seu braço direito em Utopia – a ilha santuário e outrora Asteroide M.

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Mais tarde, obviamente, ele seria obrigado a dar alguns passos para trás nessa relação com Scott, sobretudo após o Quinteto Fênix e a fratura parcial dos dons magneticos no pós-AvX. Não que chegue a se amotinar novamente, na verdade, ele e o “pupilo” vivem trocando farpas, mas passam a treinar juntos e, no tempo livre, começa a atuar de forma low profile, rechaçando ameaças localizadas à causa mutante. Esse run solo² é capitaneado por Cullen Bunn & Gabriel Walta, e lembra bastante a caçada do análogo cinematográfico em X-Men: Primeira Classe, como uma espécie de agente secreto sem filiações, no encalço de nazistas foragidos – que diga-se de passagem, rende minha sequência favorita dentre todos os filmes até aqui. Mais tarantinesco que isso, impossível.

² A Panini, inclusive, chegou a anunciar em março último a primeira compilação dessa fase, Magneto: Infame, mas até o fechamento dessa edição, nenhum sinal dela em livrarias ou bancas. O que é uma pena.

Prevendo uma decisão desfavorável, momentos antes do anúncio da sentença, Magneto invoca seu elmo. O quadrinho apresenta uma característica, digamos assim, exótica do capacete: ao fazer uma combinação específica de circuitos, é possível que o usuário tenha o domínio sobre qualquer mente. Também é revelado o motivo pelo qual ele nunca o usou antes: “Xavier os bloquearia facilmente”. Mas nesse caso específico, o Professo X estava fora da Terra. Dessa forma, ele invade a mente do Magistrado-Chefe e subverte seu livre arbítrio.

Sim, Magnus é de longe o ser mais complexo de todo o Universo Marvel. Não podendo ser classificado como herói ou vilão, apenas um homem que possui uma visão mais radical digerindo tudo que já sofreu no passado. Se refletires um pouco, poderás perceber que Magneto é o supremacista definitivo, quer dizer, é um personagem cuja ideologia o leva a atitudes racistas contra QUAISQUER raças da espécie humana. A primeira vez que notei tamanha complexidade foi durante o seu julgamento – vide Épicos Marvel #2/Abril ou Vingadores vs. X-Men vs. Quarteto Fantástico/Panini. Depois de passar por um verdadeiro dramalhão, que envolvia o clássico abate de um submarino russo e a consequente morte dos tripulantes da embarcação, o assassino em massa, supostamente, regenerado teria que responder por esses crimes perante a ONU. Na ocasião, inclusive, de maneira um tanto quanto controversa, ele assume o posto de Xavier.

De certo modo, essa amizade que vira rivalidade e hostilidade que retroage como reconciliação, não só é cíclica como também antropofágica, visto que na ausência de um, o outro assume aspectos do segundo. O caso de Massacre, por exemplo, está carregado de simbolismos: a entidade assume corpo e mente de Charles em decorrência das medidas extremas adotadas contra Erik em “Atrações Fatais”. Trata-se, portanto, de um amálgama do que há de pior nos dois intelectos, emergindo um ser cujo sonhos de convivência pacífica e/ou superioridade do mais apto têm temperos picantes, com pitadas de sadismo e desforra.

Na outra via, quando o Professor X é desintegrado em AvX, como dito, Magneto não só vira o mentor de Ciclope, como também raspa a cabeleira grisalha e fica virtualmente idêntico ao amigo. E na “Era do Apocalipse”, ele vai mais além, substituindo sua doutrina pela do falecido.

Erik não se mostra essencialmente mau, mas possui uma veia vingativa que o cega de diversas maneiras. Como aconteceu com os Novos Mutantes, quando esses o desobedeceram – o que culminou na morte do Cifra (Douglas Ramsey) no evento “Queda dos Mutantes” – ou mesmo com os próprios X-Men e Moira McTarggert durante os eventos que marcaram a [1ª] saída de Chris Claremont da franquia. Um homem complexo, moralmente ambíguo, de desejos nada simplórios, capaz de desafiar a vivacidade dos melhores publicitários. Aliás, é de se imaginar quantos limões seriam necessários para se fazer uma limonada num cenário em que um nazista molecular³ anuncia a plenos pulmões sua opinião sobre a “infraestrutura” de um dos maiores centros urbanos do mundo. Isso se ficarmos só no Universo 616; se fôssemos no 12.041, o Magneto dali é, ligeiramente mais esquentado que o nosso. Ligeiramente.

³ Ok, mais tarde desdisseram o que Grant Morrison fez, usando a velha desculpa do impostor, só que o estrago estava feito e, convenhamos, o que é mais um pecado se a sua cobertura no inferno já está quitada?!

Outro momento curioso foi a faísca de uma tensão sexual com Vampira (X-Men #71/Abril ou Gênese Mutante #1/Panini), deflagrada na Terra Selvagem, e que viria a se estender na “Era de Apocalipse”, onde Anna Marie e o próprio são casados e até têm um filhinho chamado “Charles”. Na época, se bem me lembro, para que o contato físico entre os dois fosse possível, Erik manipulava uma finíssima película magnética, com o mesmo princípio de um domo escudo – ou “preservativo”, diriam alguns. No Universo 616, vira e mexe, esse affair mal resolvido volta à tona.

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A propósito, vale dizer algumas palavras sobre Vampira: ela deveria ser, pelo menos, um pouco perturbada psicologicamente. Manter a sanidade quando não é possível tocar ninguém? Faça-me o favor. Outro momento pesado, e pouquíssimo abordado é a sugestão de que Anna teria sofrido um estupro em Genosha – vide X-Men #44/Abril ou Programa de Extermínio/Panini. Quer dizer, se alguém cujo primeiro contato físico, após o despertar mutante, deu-se com múltiplos abusos sexuais cometidos por uma gestapo fascista, é de convir que essa pessoa jamais voltasse ao normal; e o que dizer com a simpatia e desenvoltura popularizadas na equipe azul noventista?!

Pesa ainda contra essa imagem de uma Vampira cativante e segura de si, essa maternidade esquisita e postiça por parte de Raven Darkhölme; que para ajudar a filha, já chegou a tentar seduzir o “casto” Remy LeBeau, para que o mesmo pudesse se “liberar fisicamente”. Nesse contexto, e sem uma construção de personagem que lhe permita avançar na direção da luz, é duro crer que a X-Girl intocável chegue a desempenhar a liderança de equipes de campo; se o fosse, deveria ser numa condição estritamente acidental, e não delegada ou voluntariamente.

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No frigir dos ovos, essas ilações são apenas construções que, à conta-gotas, conseguimos fazer, montando um quebra-cabeça particular de como gostamos de enxergar esses personagens. Minha leitura, deixando a modéstia de lado, é no sentido de imaginar que há algo mais ali, subtextos, entrelinhas invisíveis.

Claro, existem tantas histórias paralelas sendo contadas sobre esses personagens – e isso não vale apenas para Magneto e Vampira, pelo contrário, vale para toda a franquia X –, que, se o leitor não for expert em filhos do átomo, fica difícil amarrar qualquer argumento num oceano de pontas soltas. Logo, cabe a você, leitor arte-finalista, discordar ou agregar outras infos relevantes na seção de comentários. No fim, o importante é que…

Continua…
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2 comentários sobre “X-Men: Resgates Psíquicos, Parte 1

  1. Ótimo texto, pois gera discussão. Pra mim não há dúvida nenhuma que Magneto é um vilão. O massacre do submarino, vários sequestros, terrorismo, Planeta X… cara, num mundo real ele é pior que o Kim Jong Un. Entendo que há a questao racial mas não justifica extremismos. Numa situação atípica, como Secret Wars ou o Fim do Mundo definitivo fica cabível uma aliança X-Men/Magneto. Fora isso, é só condução de roteiro nos quadrinhos.

    Acho muito mais coerente a linha do Magneto do cinema, até mesmo por conta da longevidade menor, passou por um numero menor de mãos que não respeitam a essência do personagem.

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