Super-herói negro tem de ser high-tech? (Parte 1)

A presença de personagens negros nos quadrinhos de super-heróis sempre foi tema de debates acalorados. Inicialmente, eles eram apenas coadjuvantes ou meros alívios cômicos. E mesmo isso era algo raro, até meados dos anos 1960. Então a Marvel tomou a dianteira e, em 1966, Stan Lee e Jack Kirby criaram o Pantera Negra para a edição 52 de Fantastic Four. O primeiro super-herói negro abriu caminho para uma tímida e lenta inclusão de outros, na Marvel e na DC.

Curiosamente, desde esse período, um fator se tornou recorrente nas origens e, principalmente, poderes dos super-heróis ou vilões africanos ou afrodescendentes: a tecnologia. Mesmo atribuindo inicialmente os poderes do Pantera ao consumo de uma erva mística, os roteiristas sempre mostraram o herói e sua nação, Wakanda, como desenvolvedores e usuários de alta tecnologia. Ele ainda não usava um traje praticamente cibernético como o atual, ainda assim, empregava equipamentos que surpreendiam o próprio Reed Richards.

A Marvel avançou ainda mais nos dois aspectos. Com a criação de Sam Wilson, o Falcão, apresentaram um afro-americano que, tempos depois, usaria um equipamento de voo desenvolvido pelo Pantera Negra. E assim teve início uma tendência até hoje inexplicável: super-heróis negros tecnológicos.

Claro que temos inúmeros brancos e mesmo orientais com trajes, armaduras, apetrechos e outros dispositivos, na história dos supers. O que chama a atenção é que, se por um lado, o uso de misticismo como fonte de poder para negros fosse algo consciente ou inconscientemente racista, a alternativa high-tech se torna apenas isso, uma alternativa ao racismo. Além disso, existe todo um contexto histórico/cultural norte-americano, envolvendo milhares de afro-americanos que encontraram no trabalho operacional de veículos e máquinas, uma forma de ganhar a vida. E, em especial, um homem lendário. Guarde o nome John Henry, falaremos sobre ele em detalhes mais adiante.

A DC Comics acabou atrasada em alguns anos na sua criação de super-heróis negros, em comparação à Marvel. O primeiro deles (não exatamente um herói) foi a encarnação do Corredor Negro, apresentada por Jack Kirby em New Gods #3 em 1971. Logo depois, veio John Stewart como substituto temporário de Hal Jordan em Green Lantern #87, de 1972. E, quatro anos depois, surgiria Mal Duncan. Você lembra dele? Não? Então considere-se um leitor normal e mentalmente equilibrado. (A menos, claro, que você tenha acompanhado a recente minissérie Titans Hunt, de Dan Abnett, onde Mal foi resgatado do limbo dos limbos.) O moço é daqueles que somente os leitores mais securentos conseguem lembrar.

Basta resumir que, na época de sua estreia, o senhor Duncan se tornou membro dos Teen Titans (no Brasil, Turma Titã) e tinha como prerrogativa a sua malandragem das ruas, um dos requisitos estereotipados que usavam pra validar a participação de um negro nas histórias. Logo, decidiram que ele precisava de poderes e, dava-se início à versão DC da junção herói negro + tecnologia. Ele pegou emprestado um exoesqueleto que Robin havia confiscado de um vilão, jogou por cima o uniforme do Guardião (da Era de Ouro) e deu uma pisa no Dr. Luz, aquele saco de pancadas que seria retconeado como estuprador por Brad Meltzer em Crise de Identidade. Ok, parei de esticar o resumo.

Não ficou só nisso. Malcom, digo, o novo (na época) Guardião, tinha uma namorada. Cientista. Que estava querendo ajudar o rapaz a superar suas inseguranças. Karen Beecher decidiu fazer uma intervenção sensata. Desenvolveu e produziu um TRAJE DE ALTA TECNOLOGIA BASEADO EM ABELHAS. Vestiu o traje. Fingiu que era uma vilã e atacou os Titãs, pra dar a chance do Guardião mostrar seu valor. E de uma só tacada, dois heróis negros e cibernéticos deixaram sua marca. Na verdade, eles quase seriam esquecidos se não fossem os resgates cíclicos a cada década, feitos por escritores saudosistas.

Você faz parte da turma que assistiu SuperAmigos? Não somente as intermináveis reprises com a formação de cinco heróis mais os Super-Gêmeos… E sim, aquela temporada onde eles enfrentavam a Legião do Mal. Assistiu? Então deve lembrar do Vulcão Negro, o sujeito que na verdade tinha poderes elétricos. Sei lá, mesmo sabendo que durante erupções podem ocorrer descargas elétricas ao redor da cratera, ainda não dá pra entender o motivo do nome. Enfim… Esse herói com nome de limão e poderes de tamarindo que pareciam groselha, na verdade foi uma adaptação de um personagem dos gibis chamado Raio Negro, o primeiro super afro-americano da DC a ter série própria. E que obteve seus poderes com um cinto que gerava emissão de eletricidade. Já estabelecemos o padrão, concorda?

Jefferson Pierce, o Raio Negro, também era parte de um subgênero pop dos anos 60/70, o blaxploitation. Personagens ativistas, ligados aos guetos, usando roupas bem características da época, cheios de ginga, traquejo, gírias e muita marra. Tipo Luke Cage, nos tempos de tiara e gola levantada. Nessa linha, temos uma contemporânea de Cage, casca-grossa, cheia de atitude e não tão aproveitada quanto deveria ser: Misty Knight, uma policial ferida em combate, superou a amputação de um braço com uma força de vontade férrea e uma prótese turbinada, criada por ninguém menos do que ele, Tony Stark, o Homem de Ferro.

Anos 1970 terminando e eis que chegamos ao mais famoso, duradouro e emblemático herói negro tecnológico da DC. Victor Stone, o Cyborg, foi criado por Marv Wolfman e George Perez, para integrar a equipe renovada dos Titãs. Trazia um pouco de cada clichê da época, tipo revolta, gírias, a tal malandragem das ruas, tudo embalado em uma tragédia semelhante à de Ben Grimm, o Coisa. Um sujeito mau humorado por conta de seu drama pessoal, embora fosse um cara de bom coração, no final das contas. Vic se tornou um dos melhores, em um elenco quase excelente.

A partir desse ponto, temos uma evolução do (suposto) conceito de negros usando tecnologia para se tornarem supers. Ou de roteiristas fazendo isso, a bem da verdade. Os componentes tecnológicos, agora, estavam invasiva e indissociavelmente ligados ao corpo do personagem. Simbiose total. Algo que viria a se repetir em outro cyberorganismo, na Marvel. Deathlok, na verdade Mike Collins, também negro e submetido à um processo de integração homem/máquina, era uma versão assassina e fria de Victor Stone. Ou essa ordem está errada? De volta aos anos 1970, o desenhista Rich Buckler contava certa popularidade, tendo passado por inúmeros títulos da DC e da Marvel. E tinha uma ideia de roteiro, desenvolvido posteriormente com Doug Moench. Em 1973, na edição 4 da revista FOOM (Friends of Old Marvel, uma pérola, onde a editora fazia anúncios e publicava entrevistas com o staff), uma pequena nota anunciava que a dupla estrearia com uma série inédita, na revista de ficção científica Worlds Unknown, narrando as aventuras de um protagonista meio-homem, meio-máquina chamado… CYBORG!

Marv Wolfman fazia parte da Marvel nesse período. É provável que tenha se inspirado, em parte, nessa ideia para construir o personagem Victor Stone. Ou apenas fosse fã de Steve Austin, o Homem de Seis Milhões de Dólares, como qualquer ser vivente que assistisse TV, nas décadas de 1970/80. Quem sabe? O fato é que Buckler e Moench acabaram mudando o nome do personagem para Deathlok, The Demolisher e sua estreia ocorreu em outra revista, Astonishing Tales #25, de 1974. O nome verdadeiro do moço era Luther Manning e, apesar da confusão costumeira, esse primeiro Deathlok não é negro. A cor de sua pele, na forma de ciborgue, tem uma tonalidade escura, embora ele fosse caucasiano antes do procedimento que o transformou. Desse angu todo, existe a possibilidade de Deathlok/Luther ter influenciado Cyborg/Victor que, por sua vez, pode ter influenciado Deathlok/Mike.

Dos anos 1970/80, vamos aproveitar que estamos falando de Victor Stone e saltar no tempo até 2011. Com o reboot da DC conhecido como Os Novos 52 (The New 52), a Liga da Justiça teve sua origem recontada e, no lugar de J’onn J’onzz, o Caçador de Marte, decidiram colocar o Cyborg como integrante. E aí o caldo engrossou. Verdade seja dita, ele já tinha participado de uma formação da Liga na TV, ainda na década de 1980, no desenho animado The Super Powers Team: Galactic Guardians, a última temporada dos SuperAmigos. E, pouco antes do tal reboot de 2011, foi membro por algumas edições na Liga da Justiça da América de James Robinson. A diferença agora é que ele teve sua origem diretamente integrada à da Liga da Justiça e seus componentes tecnológicos se tornaram uma fusão das pesquisas de seu pai, Silas Stone, com uma Caixa Materna de Apokolips. Cyborg overpower, certo? Em parte. O sujeito acabou virando uma versão com Tubo de Explosão do Alfred pra Liga. Por mais que fosse clichê e estereotipado ver o herói sendo o negro revoltado e irônico dos Novos Titãs, em 1980 e pouco, é insultante ver o cara servindo como mecânico/SIRI/GPS/porteiro de Tubo de Explosão pro Batman na maioria das vezes.

E aí esbarramos novamente no que pode ser uma forma de racismo, se considerarmos não somente aquela intenção de menosprezar pessoas de cor negra, mas também a atitude inconsciente de vê-los restritos à determinados papéis.

Na segunda parte dessa nossa viagem pelos gibis e pela história dos supers de cor negra e poderes tecnoderivados, vamos falar mais sobre Victor Stone, conhecer a lenda de John Henry e também sobre uma certa Menina de Ferro…

Até lá.


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2 comentários sobre “Super-herói negro tem de ser high-tech? (Parte 1)

  1. Obrigado por essa matéria sensacional. Primeiro herói negro high-tech que me veio a mente fora de marvel e DC foi o Q.I. daquele desenho dos seis biônicos. Até o nome dele estampa esse clichê racista hahaha…
    Abraços

  2. Eu não acredito que eu li esse texto. Que chatice forçar racismo em tudo! Se tem tecnologia “aihn é só um tipo de herói”, se não tem tecnologia “aihn o negro é representado como algo primitivo e não intelectual”.

    Pior que se fosse um texto informativo e alterando algumas poucas frases ficaria bacana. Mas não, você tem que levantar a carta do racismo.

    Gostei bastante do seu texto sobre a Aniquilação e acho que você não precisa de vitimismo forçado pra escrever bons textos.

    Com a melhor das intenções deixo aqui meu comentário.

    Abraço!

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