O Rei Leão

Eu estava deixando para ver O Rei Leão por meios questionáveis, no sossego do meu lar, já que as sessões legendadas estavam relegadas a horários proibitivos ou àquela armadilha pra otários impressionáveis chamada de “Sala VIP” – é comum ouvir argumentos em favor, dizendo que é tão confortável que “você pode até dormir, se quiser”. Amiguinho, eu posso dormir em casa, sem precisar pagar 52 reais!

Só que pintou convite para ver uma sessão dublada, porque haveria uma criança junto. Tudo bem, bora ver dublado, então.

Se você é alguém que, como eu, não tem mais como morrer antes dos 30 anos, deve ter sentido uma pontada no peito com os trailers, que traduziam à perfeição a animação para “live action” (aspas necessárias, já que, dos personagens aos cenários, parece não haver qualquer coisa neste filme que não seja CGI – perfeito, diga-se).

Gosto muito de te ver, leãozinho!

O que parecia ser uma virtude, porém, acaba sendo, também, um tipo de incômodo. Justamente porque é muito fiel à obra original, o novo O Rei Leão diverte enquanto é assistido, mas, depois, você fica se perguntando: por que este filme existe, mesmo?

Há explicações, igualmente boas e ruins.

A primeira é que a Disney quer ganhar dinheiro fácil. A onda de remakes com atores de verdade ou “de verdade” é mais antiga do que pensamos: começou com O Livro da Selva, de 1994, adaptando o livro e refazendo o desenho que tornou célebre Mogli, O Menino-Lobo (que ganharia um ótimo re-remake em 2016, pelas mãos do mesmo diretor de O Rei Leão e Homem de Ferro, Jon Favreau). Depois, houve 101 Dálmatas e sua sequência, em 1996 e 2000. Os três filmes foram sucessos de bilheteria bem modestos.

Dez anos se passaram até que a Disney se animasse a fazer outro remake, mas, desta vez, acertaram a mão: Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton e com Johnny Depp, foi o primeiro deles a fazer US$ 1 bilhão. O próximo, em 2014, seria Malévola, reinventando a história de A Bela Adormecida para dar protagonismo à bruxa-madrinha vivida por Angelina Jolie. Outro enorme sucesso. A partir daí, teríamos ao menos um remake a cada ano, sendo que, em 2019, com o lançamento de Malévola: Dona do Mal, terão sido QUATRO!

Scar e as hienas: feios, sujos e malvados

Então, refazer de modo “realista” seu catálogo de animações tornou-se uma obsessão para a casa do Mickey Mouse – e, considerando a dinheirama que entra, quem há de culpá-los? Muito mais fácil e barato dar pequenos retoques em histórias consagradas que já estão no arquivo, do que gastar com roteiristas para criar novos personagens e histórias, sem qualquer garantia de sucesso.

A segunda razão é que o público de hoje é bem mais infantilizado do que o de 1994 – e isto não é necessariamente uma crítica, apenas uma constatação. Os frequentadores de cinema visados pelos estúdios, hoje em dia, são as crianças, os adolescentes e os marmanjos que se recusam a crescer, cada um deles por seus próprios motivos.

As crianças de hoje querem/precisam conhecer as histórias clássicas da Disney, mas numa linguagem e formato que dialogue mais com sua geração, desacostumada de ir ao cinema para ver animações pintadas, como O Rei Leão de 1994. Os adolescentes e adultos reticentes são o alvo dos filmes de super-heróis, maníacos por comparações e estatísticas entre obras originais e remakes (sim, eu e você), e indivíduos extremamente ligados em conceitos como “trilogia”, “saga” e outros termos que implicam em histórias que, via de regra, não têm um fim de verdade. Daí a fidelidade canina de assistir a 23 filmes dos Marvel Studios que compõem, basicamente, uma única história.

Awimawe, awimawe, awimawe…

Mas, estou divagando, me desculpem. O assunto aqui é O Rei Leão, dublado em 3D – tudo bem, eu sobrevivi.

Já que não há muito o que dizer sobre a história, que já era cativante, engraçada e emocionante há 25 anos, resta-me fazer uma análise dos aspectos técnicos do filme. Como já disse antes, o CGI está impecável, criando bichos absolutamente verossímeis – talvez até demais: uma crítica recorrente é a de que o realismo empregado tirou as expressões cômicas e dramáticas da jogada. Não foi algo que me incomodou – afinal, quando Timão e Pumba estão em cena, é impossível fazer qualquer outra coisa além de dar risada!

Perder a versão legendada me privou das vozes de gente como Donald Glover e Beyoncé, respectivamente, Simba e Nala. Em seus lugares, tivemos, na versão brasileira, o ator Ícaro Silva e a cantora Iza – ambos inegavelmente talentosos, mas, cujo trabalho aqui não é dos mais felizes. A primeira intervenção de Ícaro, cantando “Hakuna Matata”, chega a ser embaraçosa, pelo timbre estranho e alcance pequeno. Já Iza tem sido criticada pelo “carioquêixxx”, mas, para mim, a falta de emoção em seus diálogos é o verdadeiro problema. Alegre, triste ou furiosa, Nala fala sempre no mesmo tom.

Mas, vá lá, estamos falando de um filme que praticamente não tinha como dar errado, ainda mais tendo sido feito com uma folha de decalque por cima do original. Pensando bem, não é tão ruim que as crianças de hoje estejam sendo apresentadas a estas ótimas histórias. No fim das contas, quando forem adultas – e o cinema talvez esteja passando uma terceira versão de O Rei Leão no 3D imersivo e sem óculos prometido por James Cameron – elas estarão falando sobre estes filmes da mesma forma que nós, “coroas”, falamos das primeiras versões. Seria muito mais legal, entretanto, que eles tivessem seus próprios filmes e heróis, tudo inédito e inovador, para guardar no coração. Quando analisada pelos livros de História, daqui a algumas décadas, esta era de nostalgia desenfreada e gananciosa não será perdoada.

 

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