Dennis J. O’Neil

Se você é leitor de gibis há muito tempo ou se acabou de chegar, com certeza já deve saber da notícia triste desse dia 12 de junho de 2020. O lendário roteirista Denny O’Neil faleceu aos 81 anos, de causas naturais. Falar de sua vasta obra nos quadrinhos é chover no molhado nesse momento, com inúmeros sites e blogs e perfis nas redes sociais fazendo homenagens merecidas ao já saudoso escritor, enumerando fases emblemáticas em personagens icônicos da cultura popular ou traçando sua admirável biografia. Então, ao invés de fazer o que tantos já estão fazendo admiravelmente bem, vamos pegar um dos trabalhos mais paradoxais de O’Neil e apenas relembrar sua presença marcante no mundo da ficção e, inevitavelmente, nas vidas de seus leitores.

A Espada Flamejante do Anjo Escravizado

Sim, vamos falar DELE. Jean-Paul Valley, Azrael, o anjo vingador da Ordem de São Dumas. No comecinho dos anos 1990, Denny juntou-se a um artista promissor chamado Joe Quesada para produzir uma minissérie chamada A Espada de Azrael, na qual fomos apresentados a toda uma nova mitologia dentro do universo DC. Ligando imediatamente esse novo conceito à franquia do Morcego de Gotham City, o roteirista (e na época também editor de Batman) demonstrou toda sua experiência em vários níveis e ângulos. Como um dos mais influentes roteiristas da história de Bruce Wayne, sabia exatamente como tecer uma trama que unisse a essência do Cavaleiro das Trevas com o drama do novo personagem, o tal anjo vingador de São Dumas.

Jean-Paul seria, mal comparando, uma versão distorcida e pervertida do conceito do Robin. Um jovem levado à uma guerra, porém cruelmente forçado, manipulado e transformado em arma mortal. Ao invés do passarinho esperto e com tendência para soltar piadas, como foi Dick Grayson para o Batman, Jean-Paul foi cooptado e condicionado a ser um assassino controlado pela Ordem. De toda forma, todo esse contexto foi feito sob medida para que um provável novo pupilo fosse “adotado” por Bruce Wayne. E isso quase aconteceu. Não fossem os OUTROS planos de O’Neil e da própria DC.

O Cavaleiro nas Trevas

Seguindo a tendência da época, de substituir os heróis icônicos por versões novas e muitas vezes mais violentas, veio a longa saga Knightfall, no Brasil adaptada como A Queda do Morcego, em que outro novo personagem, o brutamontes estrategista Bane, caçou, derrotou e literalmente quebrou Batman. É preciso reconhecer a habilidade de Denny O’Neil em elaborar e coordenar o sucesso dessa fase. Além de ter posicionado Jean-Paul estrategicamente nas histórias, atendeu a necessidade mercadológica sem comprometer o mais relevante pra o leitor, a qualidade da trama e a coerência do universo do Morcego.

O’Neil foi o maestro de uma das mais afinadas sinfonias dos quadrinhos mainstream, justamente na década que muitos adoram taxar como a pior para os gibis. Ao longo dessa saga e, mesmo depois, conduziu Batman e seus aliados por uma admirável sequência de boas histórias e fases. Mas não podemos esquecer que estamos falando de Jean-Paul, o Batman psicótico que não poderia mesmo dar certo. Resumo da ópera: Bruce Wayne se recuperou, deu um corretivo em Jean e voltou a ser o Batman. E O’Neil também retornou em grande estilo, no caso, ao posto de escritor.

Tendo criado e conduzido Azrael por um tenebroso caminho de erros e falhas, buscou dar redenção ao rapaz. E fez isso com maestria em uma revista mensal exclusiva do Anjo Vingador, inicialmente com arte inspirada de Barry Kitson. Embora tenha, ao longo das suas 100 edições, se envolvido em vários dos muitos batcrossovers de 1995 a 2003, Azrael conservou sua própria jornada pessoal, sob o comando de Denny O’Neil. Alguém em conflito entre seguir a programação imposta pelo mundo e descobrir o que realmente quer fazer.

Sim, ele criou Jean-Paul Valley como uma peça necessária para a realização da saga A Queda do Morcego. Mas nem por isso criou um personagem raso ou sem valor. O leitor realmente aprendeu a se importar com Azrael, a acompanhar e assim tentar descobrir o que seria do rapaz. Aprendeu a se importar com ele. E aí vemos uma das características mais importantes do editor/roteirista enquanto força artística e criadora.

Em todos os seus trabalhos, mais do que narrar aventuras e combates e dramas, ele se esforçou em levar a condição humana aos personagens ficcionais. Tornar cada um interessante pela intersecção habilmente elaborada entre fantasia e realidade. E o mais paradoxal, como falamos lá no começo, é que essa realidade incutida por ele em seus personagens vem de um aspecto abstrato e nada palpável de NOSSAS vidas… As emoções humanas.

Denny O’Neil sabia como contar histórias, isso é um fato. Mas, acima de tudo, sabia contar histórias com emoções verdadeiras.

Obrigado e bom descanso, mestre.

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