Espadas e Bruxas

5.0

NOTA DO AUTOR

O espanhol Esteban Maroto já teve dias melhores no Brasil. Sumido dessas paragens tropicais de forma regular desde meados dos anos 1980 (ainda saiu algo esporádico no início da década seguinte. Depois disso, uma única edição de Conan, O Bárbaro pela Mythos, em 2003, e uma daquelas histórias curtas que saiam na Wizard, em 2004), ainda causa suspiros naqueles (bem mais velhos que eu) que leram seu clássico Cinco Por Infinitus publicado pela saudosa EBAL no começo dos anos 1970, ou se deliciaram com as histórias do Conan, da Sonja e aquelas de terror publicadas na revista Kripta.

Dos três personagens publicados no álbum Espadas e Bruxas, dois não são inéditos por aqui: a citada EBAL lançou as histórias do bárbaro Wolff em 1981. Dois meses antes, em janeiro daquele mesmo ano, publicou, no mesmo formato, Korsar, que tinha uma pegada erótica.

Sim, três personagens. Explico mais adiante. Se você não segue o canal Pipoca & Nanquim, então algumas informações prévias vão te ajudar: o álbum só é vendido pela Amazon (o link está abaixo); tem 256 páginas, formato 21 x 28 cm, capa duríssima e papel gostoso; é todo em preto e branco e custa 120 reais; se você gosta de extras, a edição tem uma introdução bem bacana e confessional do escritor espanhol Juan Miguel Aguilera e uma espécie de posfácio pelo mito Roy Thomas. Além disso, há cinco pin-ups ao fim do álbum e curtíssimas introduções feitas por Maroto antes das histórias e um encerramento (é o mesmíssimo conteúdo do álbum espanhol lançado em 2012, Espadas y Brujas). Perdoe de antemão o detalhamento excessivo e o tamanho da resenha, mas, se fosse pagar 120 contos num gibi, eu desejaria saber onde estou me metendo.

Bom, além do Wolff (um Conan pré-Conan) e do Korsar (um Conan XXX), o álbum conta com as histórias do Dax (um Conan galego). São três personagens distintos e essa publicação abarca todas as histórias de cada um dos três.

Wolff, o primeiro deles, tem várias histórias de cinco páginas (e uma única com dez). Eu o comparei com o personagem do Robert E. Howard, mas que fique claro: ele é inspirado no Conan dos livros e saiu na Espanha meses antes do cimério ganhar uma revista pela Marvel (e, consequentemente, antes dos filmes). Mas a semelhança física é assustadora! Não por menos, Maroto desenhou várias histórias do Conan para a Casa das Ideias. Esse ciclo do Wolff segue bem a cartilha “capa e espada”, dando muita ênfase para a fantasia. Ainda pensando na Marvel, Maroto criou o personagem e desenhava as histórias para, em seguida, seu amigo Luís Gasca (que na época usava o pseudônimo Sadko) inserir os diálogos.

Tá, beleza, mas e a história? Wolff retorna à sua aldeia e encontra todos mortos. Bruxos malvados vieram e massacraram quem ali estava, em nome de seus rituais diabólicos com sacrifícios humanos. O bárbaro não se conforma e vai em busca de sua esposa, Bruma, pois acredita que ela ainda está viva. Nisso, ele faz um passeio por esse mundo, enfrentando seres incríveis, semideuses e o diabo-a-quatro. Quase sempre os inimigos são inimigas e, ao final, ele termina copulando com elas, antes de seguir seu rumo, até o momento em que encontra outra mulher, ou sozinha e indefesa ou o desafiando. E segue assim, até o momento em que se depara com a filha de um bruxo do bem. Com ele, aprende Física, Trigonometria e magia branca: está preparado pra sua vingança.

A mitologia em si é uma bela salada. Não tem nada muito inovador. Maroto capricha nos cenários fantásticos – é nesse momento que sua criatividade aparece com força – e na composição dos quadros que fogem do comum e trivial. Visualmente, é uma coisa linda. Se você é mais aficionado por uma estrutura “rígida” das páginas, algo mais “tradicional”, talvez se incomode um pouco com a “anarquia” de Maroto. Como são histórias curtíssimas – outro contraponto com as grandes sagas do cimério de bronze -, as soluções do roteiro também podem incomodar quem quer algo mais “elaborado”. As histórias são concisas e servem mais para Maroto deixá-lo pasmado com sua arte e experimentações. Os diálogos criados pelo Luís Gasca remetem ao gênero: aquela coisa meio barroca e muito bem escritos. Se você já leu Conan, sabe onde está se metendo.

Dax, o seguinte, tem sua etnia modificada em relação a Wolff: ele é loiro, numa pegada nórdica, e sempre fala de si na terceira pessoa (então tome vários “Dax não teme você, monstro” ou “Dax não recua diante do perigo”). Como esse personagem foi publicado diretamente nos Estados Unidos, foi por meio dele que Roy Thomas conheceu Maroto e o convidou para desenhar Conan. Causando frisson por onde passa, Dax anda com uma tanga minúscula cuja parte da frente é coberta com uma caveira de algum animal. Além disso, ele sempre carrega uma espada, uma faca ou um machado pendurado na tanga (a espada, às vezes, vai nas costas), o que faz suspeitarmos de sua resistência, baseada somente naquele fiozinho.

Aqui, a fantasia se sobressai. Mas se você é chegado numa cronologia, talvez tenha problemas: não há qualquer correlação entre um conto e outro, ao contrário das histórias de Wolff (sempre em busca de sua esposa e vingança). São todas fechadas em si e na seguinte o herói está num lugar completamente diferente, às vezes até com uma outra “origem”. Nisso, Dax enfrenta bruxas, demônios, magos, canibais, piratas, num grande desfile de gente ruim. Os cenários continuam maravilhosos; Maroto é um GÊNIO dos desenhos e isso fica claro na anatomia, perspectiva, narrativa, composição de cenas e cenários: tudo é um deleite visual. Mas o ponto alto são as criaturas postas em cena. A criatividade do autor é uma coisa ímpar e supera o que foi visto em Wolff. Não tenha dúvidas: o que não falta é monstro feio nas aventuras de Dax (e mulheres estonteantes e seminuas).

As histórias são mais filosóficas, tanto que nem sempre tem um final claro e definido. O autor aborda uma série de questões nas aventuras do loiro arrogante e orgulhoso, que nunca deixa de copular com alguma bela mulher, não importa de onde ela venha. No início das histórias, há uma página toda negra, apenas com um desenho “simples” e uma frase, uma espécie de “abertura” do que está por vir, escrita quase como se fosse um poema, onde Maroto indica o que será abordado na aventura. No entanto, um tema é comum em todas as histórias de Dax (e nas do Korsar): a liberdade, a ideia de nunca nos deixarmos ser subjugados por alguém, seja humano, deus ou demônio. Esse espírito livre é o fio condutor das aventuras do galego. (Confesso que fiquei tentado a relacioná-la ao período em que foi criado, início dos anos 1970, quando a Espanha era governada por Francisco Franco em fim de vida, ainda que não fosse mais uma ditadura há uns bons anos. Não nos esqueçamos que o gibi foi publicado originalmente nos Estados Unidos e não na Espanha. Estaria Maroto referenciando um passado recente de seu país nas histórias do bárbaro?)

Por fim, Korsar, que nasceu por meio de um pedido editorial dos alemães. Tudo que vimos antes nos dois personagens, veremos em Korsar, de uma forma ou de outra. O que muda? Em várias páginas, Maroto diminui a escala, colocando mais cenas. A história é linear, iniciando com Korsar preso numa masmorra e seguindo suas aventuras dali por diante. Mesmo curta (apenas quatro histórias de dez páginas), o desenvolvimento é mais cadenciado, pois não há uma grande exploração pelo mundo do personagem, sendo concentrado em poucos plots. Além disso, é uma história erótica, mas não espere putaria pesada (o próprio autor destaca isso): monogâmico, Korsar veste roupas mais comportadas que Dax, por exemplo. O viúvo Wolff, que tinha como objetivo encontrar sua amada esposa, transou mais que Korsar! É um erotismo bem ao estilo das novelas da saudosa Rede Manchete, dos filmes oitentista da Sessão da Tarde ou daqueles que passavam no Cine Privé em fim de carreira. Há pornochanchadas mais “pesadas”.

Enfim, se você é fã de quadrinhos, tem a obrigação de ler/ver algo do Maroto. Admito que por não ser fã do gênero, acompanhar essas histórias de uma tacada só é um pouco cansativo, pois a repetição dos temas é uma constante; mas, limita-se à questão de gosto, mesmo. O deleite visual proporcionado e a estrutura narrativa das histórias compensam. Se você leu gibis de heróis dos anos 1970, saiba que a pegada é outra em Espadas e Bruxas. É muito mais dinâmico e a leitura, bem mais fluida.

 

  

Roteiro: Esteban Maroto, Luís Gasca (Sadko).

Arte: Esteban Maroto.

Editor: Alexandre Callari, Bruno Zago e Daniel Lopes.

Capa: Esteban Maroto.

Publicação original: Espadas y Brujas (setembro de 2012).

No Brasil: maio de 2017.

Nota dos editores:  3.3

 

 

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