Fatale, de Ed Brubaker e Sean Phillips, é a sexta¹ colaboração dessa dupla criativa, que se estabeleceu com trabalhos autorais de cunho pulp noir – ou seria neo-noir? –, construindo narrativas voltadas para as engrenagens do submundo e personagens que vivem às turras como párias, à margem da sociedade e do próprio submundo. Quer dizer, no cardápio de Brubaker & Phillips, o prato do dia é sempre regado à base de agentes duplos, abandonados a própria sorte; marginais inexpressivos que inesperadamente se veem obrigados ao protagonismo; ou supervilões regenerados entediados com o marasmo da vida cotidiana.
Fatale sai um pouco da curva ao lidar com a temática do horror, com inspirações claras na obra de H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe, entregando uma personagem feminina que é, literalmente, o centro das atenções. Josephine, a “Femme Fatale” da obra, é uma mulher assombrada por uma maldição que a torna uma presença irresistível perante homens, causando neles ímpetos de desejo e resignação, ofuscando-os da própria racionalidade. Por outro lado, ao passo que, enquanto fêmea alfa, Josephine funciona como um ímã de testosterona; sem as devidas proteções, ela acaba atraindo também entidades arcanas que têm interesses em suas habilidades.
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Mais alinhados que nunca, em Fatale, a sinergia entre Brubaker e Phillips chega a um paradigma evolutivo de suas carreiras em que o leitor, que já acompanha suas produções há algum tempo, passa a se questionar: onde começam os conceitos do roteirista e onde terminam os do artista? É impossível responder a esse questionamento, do mesmo modo que o é quando o fazemos também para outras equipes criativas contemporâneas igualmente consagradas como Brian Azzarello & Eduardo Risso; Mark Millar & Bryan Hitch; ou Grant Morrison & Frank Quitely, só para ficar por aí.
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Dos cinco álbuns de Fatale, na minha ótica, dois saltam aos olhos:
Cada capítulo perfaz uma vida passada de Josephine, mostrando a exata dimensão da maldição, a busca contínua por entendimento sobre sua condição e a origem de certos regramentos que dão sustentação a aquele mundo. Meu conto favorito aqui é ambientado em 1286 d.C, na França, no qual “Mathilda”, uma versão de Josephine, recebe abrigo de um ancião que vivia no interior de uma floresta esquecida por Deus. Um momento de calmaria, que chega ao seu desfecho reafirmando o ciclo vicioso da vida daquela mulher.
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Apresenta três narrativas que cedo ou tarde se convergem. A principal delas se passa no ano de 1995, em Seattle, celeiro do Grunge, no qual uma Josephine desmemoriada, completamente alheia a sua sina, recebe guarida na casa de uma banda que outrora teve seus cinco minutos de fama, e agora, anos de ostracismo. A presença da musa inspiradora é a mola propulsora para o ressurgimento de sua música ou apenas uma ruína diferente da que estavam habituados.
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Tal como Lazarus, de Greg Rucka e Michael Lark, as páginas finais das edições avulsas de Fatale reservam aos leitores verdadeiros mimos: textos suplementares [como esse, esse ou esse] monólogos de Brubaker partilhando seu processo criativo, referências e até recomendando quadrinhos de outros autores, romances, filmes e seriados, muitos seriados². Pena que minhas versões, os encadernados comuns cartonados, não possuem esse material extra – mas se tiveres uma grana sobrando, pode encontrá-lo nas duas edições Omnibus.
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E se nada disso lhe convenceu a investir nessa leitura, veja da seguinte forma…
¹ 1/Gotham Noir, 2/Scene of Crime, 3/Sleeper, 4/Criminal, 5/Incognito, 6/Fatale, 7/The Fade Out e 8/Kill or be Killed.
² Fiquei muito feliz em saber que ele também é fã dos finados Justified e Southland.
Roteiro: Ed Brubaker
Arte: Sean Phillips
Editor: Eric Stephenson
Capa: Sean Phillips
Publicação original: junho de 2012, janeiro e junho de 2013, fevereiro e setembro de 2014
No Brasil:
Nota dos editores: 5.0