Em maio de 2018, o Superman completou 80 anos, comemorado numa edição especial: Action Comics #1000, revista que surgiu junto com o personagem. Era uma grande comemoração: o aniversário do personagem, da revista e um número vigoroso e inédito de edições que, tal qual os mil gols do Túlio Maravilha, tem lá sua contestação, mas quem liga? Mil não são cem! Para comemorar, a DC Comics preparou uma edição gigante da revista, com várias histórias curtas do personagem, com o que há de melhor em seu plantel atual – além de conseguir páginas inéditas do ícone Curt Swan, por décadas o homem que definiu o visual do personagem, juntamente com José Luis García-López.
Lançada, a revista era bastante irregular (falamos bastante sobre no Pilha de Gibis #41; ouça AQUI). Ainda que boa parte das história demonstre bem o mito do personagem, o que ele representa para indústria e para a cultura de uma forma geral, fazendo jus ao peso que o Azulão tem no mundo, no geral, o saldo final é justamente isso: irregular. Esse fio condutor (a representação do Superman), as histórias variam entre homenagens a passagens da cronologia, previsões futuras ou a celebração pela celebração, festando a data na própria história. De fato, coletâneas seguem esse padrão torto e irregular, sem muita coisa marcante. No caso de Action Comics #1000 agora, de cabeça, após um ano de ter lido a revista, o que eu lembro é da belíssima história do Tom King e dos horríveis desenhos do Neil Adams. Mesmo ficando aquém da data, da numeração e do próprio personagem, não é das piores coisas que você leu/lerá na vida. Um dia, de bobeira, é possível reler e se divertir um pouco.
O problema é com o lado sombrio da editora.
Um ano depois, hora do Batman ganhar sua milésima edição – ao menos em partes (também falamos bastante sobre no Pilha de Gibis #90; ouça AQUI). O morcego, sabemos, estreou apenas na edição 27 de Detective Comics. A primeira edição da revista é de março de 1937, ou seja, antes mesmo de Action Comics. Dois anos depois, Batman estreava em suas páginas. Sendo assim, não são mil edições do Batman e sim de Detective Comics. O que importa é, mais uma vez, os números: mil edições da revista, 80 anos do Homem-Morcego. E da mesma forma que o Azulão, Batman (e não Detective Comics) ganhou uma edição especial, com onze histórias curtas ao longo de 80 páginas (e uma quantidade absurda de capas variantes).
Para tal empreitada, a editora que leva o nome da revista, parece não ter dado muita importância (e convenhamos que nem dá pra dizer que foi programado, ou alguém acredita na coincidência da edição mil sair no mês que Bruce Wayne completa 80 anos?), visto que é um amontoado de histórias curtas tendo apenas o personagem como centro. Nem aquele fio tênue de Action Comics encontramos aqui. O time criativo também não ajuda, privilegiando os mais recentes escritores e desenhistas (Scott Snyder, Greg Capullo, James Tynion IV, Tony Daniel, Tom King e Peter Tomasi). Dos mais antigos, temos apenas Denny O’Neil, Doug Mahnke, Kelley Jones, Neil Adams e Paul Dini, todos com passagens marcantes. Vários e vários outros ficaram de fora, sejam aqueles com runs memoráveis ou que ficaram anos e anos à frente das histórias. Alex Maleev, Alvaro Martinez-Bueno, Joelle Jones e Becky Cloonan pareciam felizes por fazer parte da festa e capricharam na arte, apresentando um trabalho digno da comemoração. Nos roteiros, Brian Michael Bendis, Kevin Smith e sobretudo Warren Ellis entregaram boas histórias, dessas que vale a pena você investir seu suado dinheiro no material. Christopher Priest e Geoff Johns deveriam se aposentar ao invés de cometer tais atentados.
No fim das contas, a comemoração é apenas uma forma de ganhar muito dinheiro com o número especial, a data especial e as incontáveis capas variantes, no melhor estilo anos 1990, quando as editoras quase afundam mediante especulação desenfreada. Não houve qualquer preocupação editorial em fazer algo realmente marcante, daquelas revistas que você quer ler e reler, comentar, debatê-la anos depois. Os artistas, salvo as exceções citadas, também pouco se importaram com a encomenda, mais interessados na exposição do evento do que realmente em produzir algo minimamente interessante. Ellis, por exemplo, foi o único que se preocupou em criar uma história do Batman, um pequeno conto, e não apenas em revirar a memória da cronologia ou fazer brincadeiras pueris que caberia que não servem nem para história back-up de mensal. São 1000 edições. Foram 80 anos até chegar aqui. A DC Comics ganha muito dinheiro com o Batman e sua dependência do personagem chega a ser incomoda. Poderia ter se esforçado um pouco mais.