Che

5.0

NOTA DO AUTOR

Nos tempos de hoje, no Brasil, não tem como lançar uma biografia do argentino Ernesto Guevara de la Serna – o “Che” Guevara – sem gerar polêmicas das mais inúteis e absurdas, que dominam o “debate” e sequer entram no mérito da obra enquanto obra. Uma lástima em todos os sentidos e uma absurda perda de tempo. Esse mesmo gibi já saiu no Brasil, em 2008, por uma outra Conrad: era outro momento, outros proprietários, outros editores, outros objetivos. De minha parte, passou batido na época: em Maceió, às vezes precisávamos fazer um grande esforço para conseguir as edições da Conrad. Mesmo com internet.

O que interessa aqui, ao menos para mim, é o lindíssimo trabalho dos Breccia: Alberto e Enrique Breccia, pai e filho respectivamente, duas lendas argentinas que vêm ganhando cada vez mais publicações no Brasil pela Comix Zone. Ainda bem. Alberto ficou responsável pela parte do roteiro que trata dos anos finais de Guevara, quando tentava fazer uma revolução na Bolívia. Todo resto é seu pai voando baixo. A diferença, claro, é perceptível: cada um tem seu estilo. Porém, Alberto se aproxima um pouco do traço de Enrique. Ambos ABUSAM do preto & branco e cada página beira o deleite visual. As passagens violentas – temos bastante – ganham uma certa beleza explosiva, hachurada, que não desvia seu olhar do objetivo.

Enrique é mais “clássico”, Alberto é mais estilizado. Sendo assim, a crueza aparece mais clara no pai, enquanto o filho nos brinda com uma beleza onde não deveria havê-la.

Por seu turno, o roteiro de Héctor Germán Oesterheld foca em episódios marcantes da curta e intensa vida do personagem biografado. Nesses tempos de hiperexposição, com a foto icônica do rosto de Guevara estampando tudo quanto é camisa, não há como surpreender. Quem assistiu o ótimo Diários de Motocicleta vai reconhecer inúmeras passagens do jovem médico argentino: a viagem pela América do Sul, os perrengues, a amizade com Alberto Granado, enfim: está tudo ali. Quem só o conhece pela Revolução Cubana e Sierra Maestra também se encontrará familiarizado.

O que tem de novo, então? Ou por que ler algo que já conheço (se for o seu caso)? Não teremos muita coisa nova, confesso. Não há grandes revelações. Vale se deliciar com a escrita de Oesterheld, ainda que, para o meu gosto, achei exagerada a romantização feita. Por outro lado, ele demonstra muito bem os problemas que afligem a América do Sul, que são os mesmos desde sempre até hoje, sem soar panfletário: é tudo muito cru, real, conhecido.

Vale também para percebermos como, enquanto brasileiros, estamos deslocados do resto do continente. As dores, os problemas, a pobreza, as injustiças sociais são as mesmas. Mesmo assim, de longe, pelos desenhos dos Breccia, tudo me soa muito distante. E não é apenas problema linguístico. É nossa eterna insistência de olharmos apenas para o litoral, esquecendo o interior, o nosso interior.

 

  

Roteiro: Héctor Germán Oesterheld

Arte: Enrique Breccia e Alberto Breccia

Editor: Ferréz e Thiago Ferreira

Capa: Alberto Breccia

Publicação original: 1968

No Brasil: setembro de 2021

Nota dos editores:  5.0


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