Nenhuma série de ficção científica marcou tanto os anos 90 quanto Arquivo X. A frase epígrafe da série, “A verdade esta lá fora”, tornou-se um verdadeiro mantra para muitos fãs. Acompanhar as aventuras de Fox Mulder e Dana Scully nas noites de sexta-feira, na Record, era um programa indispensável, em uma época em que TV a cabo era uma raridade para a maioria das famílias no Brasil.
Arquivo X, ao longo de nove temporadas — ainda que as últimas três tenham sido bem fracas — apresentou ao telespectador uma gama de temas relacionados a ficção científica, ufologia, parapsicologia, religião, fronteiras da ciência e mistérios em geral.
Na série, os agentes federais americanos Fox Mulder e Dana Scully devem resolver casos sem explicações, seja por envolverem eventos paranormais, ou simplesmente por falta de vontade de outros agentes, que veem nesses casos poucas perspectivas de recompensa profissional. Mulder não se preocupa em agradar seus superiores, pois é guiado por uma busca particular: encontrar a irmã, possivelmente abduzida por alienígenas quando ainda criança, evento que Mulder presenciou.
Dana Scully, por sua vez, é uma médica cética que foi designada para os Arquivos X a fim de vigiar e relatar as descobertas de Fox Mulder, mas, com o tempo, se torna uma importante aliada e passa a compartilhar grande parte das ideias de Mulder. A série é tradicionalmente dividida entre dois tipos de episódios, os episódios da mitologia e os do monstro da semana. A mitologia se refere aos eventos envolvendo uma conspiração entre um grupo elitista humano e outro alienígena que tem abduzido milhares de pessoas com a intenção de futuramente colonizar a Terra através de híbridos humanos/alienígenas. Mulder acredita que sua irmã é uma das vitimas, e por isso pretende revelar os planos dos conspiradores. Já os episódios “monstro da semana” sempre apresentavam um caso envolvendo alguma entidade misteriosa ou evento paranormal.
A série marcaria toda uma geração. No caso deste que vos escreve, Arquivo X seria um dos pontos iniciais de uma vida dedicada ao estudo desses diversos temas, da ufologia à parapsicologia, passando pela ficção científica, filosofia, religião etc. — mas também do estudo de questões políticas, de defesa e conspirações; pois, se há algo que Arquivo X nos ensina é termos uma saudável desconfiança para com os governos, qualquer um que seja. No final das contas, me tornei o que o professor Flavio A. Pereira designa como um “analista de xenômenos”, ou seja, um analista de coisas estranhas – em grande parte, por influência da série.
Após um longo hiato, neste ano fomos agraciados com a volta da série Arquivo X, em sua décima temporada. Para comemorar o evento, a editora New Order está republicando a série clássica de HQs de Arquivo X em um lindo encadernado. No primeiro volume, são nove histórias, que se passam entre a segunda e a terceira temporada da série televisiva, segundo algumas pistas nas histórias. As primeiras seis histórias desse volume foram publicadas em outubro e novembro de 1997 e março de 1998 pela Editora Mythos nos volumes 01, 02 e 03 da revista Arquivo X, que durou apenas quatro números — sendo que o último número foi publicado em abril de 1998 . As outras histórias, até onde me é dado saber, são inéditas em língua portuguesa. São duzentas e vinte e duas páginas de histórias.
Vamos a um breve comentário da cada história:
1 – “Não Abra até o Natal”: Nessa história, Mulder e Scully se envolvem em uma perseguição pela posse da terceira profecia de Fátima. Na trama, a Igreja Católica, militares e um multimilionário colecionador particular disputam a posse pelo segredo.
2 – “O Desmembramento de Coisas Passadas”: Mulder e Scully investigam um suposto caso de queda de uma nave alienígena em uma pequena cidade, 47 anos depois do ocorrido, devido às recentes mortes das diversas testemunhas. Uma história dentro da mitologia da invasão alienígena.
3 – “Um Pequeno Sonho Meu”: continuação da história anterior, Mulder persegue a possibilidade de finalmente encontrar sua irmã, supostamente abduzida por alienígenas.
4 – “Pássaro de Fogo, Parte I: O Lamento de Khobka”: Nessa história em três partes, somos envolvidos com a tentativa de explicação do famoso Evento de Tunguska, ocorrido em 1908. Esse evento provocou uma explosão cuja luz foi observada na Inglaterra, sendo que o evento ocorreu na Sibéria. A explicação mais aceita é a de que se tratou de um evento envolvendo a queda de um meteoro. Mas, devido à não existência de cratera, como é típico nesse tipo de colisão, explicações alternativas foram propostas: choque com antimatéria vinda do espaço; choque com um miniburaco negro; ou mesmo a explosão de uma nave alienígena, entre outras. Na história, Mulder e Scully são conectados a este mistério, devido a um acidente com um caminhão no estado do Novo México.
5 – “Pássaro de Fogo, Parte II: Crescit Eundo”: Mulder e Scully encontram um xamã siberiano em pleno Novo México, enquanto tentam compreender a existência do que tudo indica ser uma criatura alienígena que consome radiação. O fato de estarem em um dos locais com maior concentração de instalações nucleares do mundo não ajuda muito.
6 – “Pássaro de Fogo, Parte III: Uma Breve Autoridade”. Mulder finalmente se encontra com os representantes da misteriosa organização secreta que pretende controlar o mundo e evitar que a verdade sobre diversos eventos ufológicos e outras conspirações sejam revelados. Nesse ínterim, entretanto, deve ajudar o xamã siberiano a impedir uma catástrofe global, enquanto tenta escapar dos conspiradores.
7 – “Opera Trepanadora”: Mulder e Scully são chamados para investigar as ações de um serial killer que age há cerca de quinze anos e que agora deixa uma carta cifrada para Mulder em uma cena de crime. O criminoso se utiliza do método cirúrgico de trepanação, que consiste em fazer um buraco no crânio. Utilizado desde a Antiguidade, o método foi empregado tanto para a cura de doenças na Antiguidade quanto para retirar maus espíritos e demônios na Idade Média. Ou pode, como na história, ter o objetivo de abrir o terceiro olho, ou olho místico, para a verdade.
8 – “Cidades Mudas da Mente – Parte Um”: Mulder e Scully se envolvem com um grupo marginal de intelectuais que acreditam poder acessar o conhecimento através da prática de canibalismo — uma prática que existiu entre alguns grupos indígenas brasileiros e que, na história, tem a ver com antigos segredos astecas e atlantes. Os agentes então iniciam a perseguição ao líder do grupo, que pretende descobrir um antigo segredo asteca.
9 – “Cidades Mudas da Mente – Parte Dois”: em pleno Alasca, Mulder e Scully descobrem a existência de uma cidade subterrânea asteca e a possibilidade de antigos deuses astronautas, ao mesmo tempo em que enfrentam militares e tentam escapar de serem, literalmente, comidos.
Numa época em que vemos cada vez mais personagens dos quadrinhos irem para a TV e o cinema, Arquivo X faz o caminho inverso: nasceu na TV e depois foi para os quadrinhos e para o cinema (em dois filmes). As histórias desse encadernado lançado pela New Order são dos anos 90, mas ainda podem ser lidas com bastante proveito, pois captam com maestria o espírito da série.
Caso tenha interesse, acesse o site da editora: New Order.