Não falarei de preços, erros editoriais ou demora em lançamentos. Pandemia interminável, vamos focar nas coisas boas. E uma das melhores coisas que acontece faz alguns anos é esse sortimento de gibis lançados no Brasil, deixando ainda mais claro que há vida fora/longe da falsa dicotomia Marvel/DC. Muita vida. Listamos mais de uma vez coisas boas que saíram lá fora e aquelas que você acha por aqui.
Largar de vez as mensais das duas grandes parece às vezes até um caminho natural: idade, pouco tempo para leitura, preço nada convidativo (desculpe) e essa variedade incrível de lançamentos que nos instiga a sair da mesmice. Se você ampliar sua estante e em dezembro fizer uma lista das suas melhores leituras, verá que a cada ano que passa, Marvel e DC vão rareando. Claro, isso não significa que não há boas histórias por lá.
Há bastante coisa boa, até mesmo nas surradas mensais, cada vez mais presas editorialmente e forçadas a se encaixar em sagas semestrais que temos pouco ou nenhum interesse em acompanhar. E há as mini e maxisséries que tentam fugir da cronologia, mas em alguns casos parecem uma mensal mal disfarçada numa embalagem gourmet, conforme já escrevi antes. E o resultado é sempre ruim. No primeiro caso – da interferência da saga semestral – costumo passar por cima sem olhar de lado.
Em Imortal Hulk me deparei com alguma coisa maior que acontecia na Marvel. Nem me dei ao trabalho de ir ao Google. Al Ewing conseguiu tocar seu barco sem muita turbulência – o que não aconteceu em Doutor Estranho: inventei de ler a curta passagem do Donny Cates no personagem (doze edições) pela mais pura fanboyzice. O primeiro arco, com o Loki, é bem bacana (releve o fato de eu não ser leitor costumeiro do personagem, a ponto de conhecê-lo mais pelo filme). O segundo é todo enfiado numa tal “Danação” ou algo do tipo. Péssimo. Ficou ainda pior com minha rebeldia de não ir me informar sobre o acontecimento, que sempre está a um clique do meu celular. Decidi apenas que o arco é ruim.Nesse ínterim, atualizei todo o Demolidor do Chip Zdarsky. Vi reclamações de mais do mesmo: Matt Murdock melancólico, onipresença da Igreja católica, eterno sentimento de culpa, ambiente soturno e etc. Muitos destes elementos ainda estão na cabeça de quem adorou uma fase anterior já não tão recente, quando Mark Waid nos trouxe um Matt ensolarado, feliz e que gerou desconfiança até de seu melhor amigo Foggy Nelson. Um sopro de criatividade e uma nova direção.
OK, que seja, gostei também. No entanto, Zdarsky faz mensal que é mensal. O desenvolvimento é lentíssimo: já passamos das vinte edições que giram em torno de um fato – a morte acidental de um ladrão de loja de conveniência pelas mãos do Demolidor. Arrastado? Se você ler tudo de uma vez, um montão no fim do ano, talvez passe essa impressão. Mas – de novo – é uma revista mensal. Acompanho mês a mês e vejo o desenvolvimento dessa ideia atrelada a outros bons desenvolvimentos: o detetive Cole North e os tropeços do prefeito Wilson Fisk.
E esse é o meu preferido: Fisk procurando abdicar de seu passado criminoso, querendo operar na legalidade e trombando com as ilegalidades “permitidas” dos bilionários de Nova York. É um personagem humano, falho, indeciso e que quebra muito a cara. O roteirista brinca com seu passado e sua personalidade com esmero, coisa de quem conhece Fisk a fundo e não pensa em mudá-lo para favorecer a sua história. Pelo contrário.
Claro, a tal saga do semestre já apareceu. Dos males o menor. Ler gibi mensal ainda é uma delícia e uma boa diversão quando é bem feito. E quando é pensada para sair mensalmente e não para vender encadernado capa dura. Isso é consequência.
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